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Voto no mal menor
Se atuo no mundo de alguma forma, eu o reconheço como um lugar em que atuar é necessário. Ademais, concordando com Sartre, se me omito, atuo por omissão, em tácita aceitação da presente disposição das coisas.
Mas, desejo mesmo é lembrar Aristóteles, ou a condição humana de animal político, um animal que precisa da cidade – ou da comunidade –, sem a qual não se realiza sua disposição natural de pertencente ao coletivo.
Aristóteles sabia que outros animais são igualmente, por natureza, coletivos, mas considera diferenças: as abelhas eternamente se repetem, já os humanos estabelecem valores, investem em modos de viver; fazem História.
Esse sábio grego tinha em conta que somos políticos por sermos seres de linguagem, capazes, portanto, de pensar a vida em comum, persuadindo por argumentos sobre caminhos conducentes a uma convivência feliz.
Sendo, assim, seres carecentes da Sociedade ao tempo em que produzimos a Sociedade, estamos implicados na busca das melhores, ou ao menos das não piores condições de cumprir o predicado de efeito e causa social.
Discorro sobre essas coisas por estarmos em quadra eleitoral. Há que se tomar posição e, se possível, lançá-la a discussão. Como nossa vibe não está aristotélica, talvez argumentos sejam recebidos com insultos. A ver.
Meu candidato de primeiro turno era Ciro Gomes, a meu ver o concorrente que melhor descrevia o quadro nacional, indicava caminhos e argumentava sobre a factibilidade de seus propósitos. Pouco\as concordaram comigo.
Agora, estamos entre Bolsonaro e Lula. Por motivos objetivos, desaprecio os dois. Não escolho, pois, o que sopeso melhor, mas o que avalio menos ruim de acordo com critérios imperativos à condição de governar o Brasil.
Devo repisar que não me permito omissão, então votarei; não havendo candidato que me seja do gosto, escolho, embora o desgosto, considerando os candidatos conduzidos ao segundo turno: ou Bolsonaro, ou Lula.
Uma questão preliminar: não nutro ilusão sobre o tanto que se assemelham. Ambos se disseram vítimas de complô da grande imprensa com o Judiciário; ambos atribuíram o enriquecimento dos filhos à ladineza comercial.
Os dois governaram com políticos que criticaram, entregando-se ao Centrão. No governo Lula, pagava-se com o Mensalão e com a entrega de empresas públicas; Bolsonaro cumpre o orçamento “secreto”. Os dois negam corrupção.
Um mal de cada qual e um princípio de diferenciação: tenho o governo de Lula como o mais corrupto da História (falo do que está documentado, apenas). Por outro lado, o governo de Bolsonaro é o mais ignorante da História.
Antivacina; racista, sexista, homofóbico; desmonte das instituições de fiscalização ambiental; corte de verbas para educação e ciência; desprezo das políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher.
Paladino da anticiência, “receitou” remédios impróprios para tratamento da Covid, e promoveu aglomerações com dispensa de máscaras, conduzindo-nos ao patamar de campeões mundiais de mortes desnecessárias.
Talvez o mais grave da expressão bolsonarista: o saudosismo da Ditadura de 1964. Bolsonaro elogiou torturadores assassinos e defendeu a morte de políticos perseguidos pelos militares, citando nominalmente FHC.
Nas diferenças, algo mais me é crucial à vida da República: Bolsonaro usa sua capacidade discursiva para pespegar ódio, açulando a turbamulta com recurso aos piores preconceitos. No furor provocativo, o artifício estudado.
Nos palanques, Lula não é exatamente conciliador. Insultou o governo que lhe entregou o País em dia com a repetição enganosa de “herança maldita”; martelou o “nunca antes nesse país”; constituiu o “nós contra eles”.
Lula, contudo, discursa o Brasil do objetivo comum e, para o bem e para mal, quando exerce o poder, coopta adversários, compondo interesses. Isso é ruim, todavia menos mal que dividir a Nação como método de governar.
Por fim, o caminhar da Civilização: se o lulismo aparelha o Estado e rouba, isso é questão de Polícia, MP, Judiciário; resolve-se. As crenças bolsonaristas, à sua vez, são medievais; dão marcha à ré na mentalidade da Pátria.
Não votar é alheação cívica. Escolho Lula, mal menor. Aristotelicamente, voto pela convivência na polis, um mínimo de discurso apaziguador que prestigie o animal político. Que povo e instituições deem conta do vencedor.
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