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A mediocridade nossa de cada dia

16/09/2022
A mediocridade nossa de cada dia

O escritor francês André Malraux nos ensina que essa tal de cultura, que vive presente nas conversas de botequim e nas tretas virtuais, seria tão só e simplesmente aquilo que fica depois que esquecemos tudo o que foi aprendido por

Desde tenra idade até o momento que nossos cabelos ficam prateados, como se tivessem sido sutilmente tocados pelo luar, acabamos aprendendo algumas coisinhas. Alguns mais, outros menos, mas todos nós acabamos colocando muitas coisas na algibeira da nossa alma que, diga-se de passagem, é furada.

Muita coisa aprendemos, muitas outras tantas esquecemos, porque tudo aquilo que apenas é apreendido sem ser amado, acaba não encontrando morada em nosso coração e termina apenas passando pela nossa vida sem deixar grandes marcas.

Agora, há algumas coisas que recebem de nós uma atenção maior e, por isso, passamos a cultivá-las em nossa vida e, ao cultivá-las, elas acabam gerando frutos que alimentam a nossa alma, nutrem a nossa vida e dão um sabor singular aos nossos dias, tornando-se, desse modo, digna de uma reverência toda especial de nossa parte, ocupando um lugar central em nossa existência, deixando de ser apenas uma coisa a mais em nossa vida, para converter-se numa força pulsante que ilumina o nosso modo de ser.

Por isso, o contato com determinados bens culturais podem transformar a vida de uma pessoa da água para o vinho, marcando profundamente a trajetória biográfica de um indivíduo, como também, determinados “bens culturais” podem azedar de vez a nossa porca vida.

Quando falamos em contato com um bem cultural, por favor, não entendamos que isso seja sinônimo de pegar em mãos um clássico da literatura, ou algo similar, e simplesmente atirar no peito de um jovem, dando-lhe uma ordem direta [cheinha de indiretas maliciosas] para que ele leia aquele catatau todo. Proceder dessa maneira é similar a jogar um saco de sementes fechado no chão e colocar sobre ele um saco de adubo e um tanto de calcário, esperando que desse gesto vil e estéril germine uma safra abundante.

Os clássicos da literatura apenas se tornam interessantes e desejáveis na medida em que nós, adultos, tratamos eles com a mesma afeição que despejamos, aos borbotões, nos nossos amados grupos de WhatsApp, em nossas conversas sobre a política rasteira do dia a dia, na nossa devoção inabalável ao dinheiro, aos bens materiais secundários, à pornografia, às ninharias da vida e tutti quanti.

Dito de outro modo: as tenras gerações irão dar o devido valor à literatura, à boa música, às artes, quando nós falarmos sobre esses trens com a mesma alegria, familiaridade e desenvoltura com que reclamamos de nossos salários, que parlamos [bem ou mal] das figuras políticas e assim por diante. Se nós amássemos tanto a grande literatura universal quanto amamos essas bagatelas, a gurizada rapidamente aprenderia o que realmente é digno de nossa atenção.

Ora, quantas vezes nós nos mostramos, realmente felizes da vida, porque conseguimos encontrar um livro que há muito estávamos à procura? Provavelmente nunca, porque a grande maioria de nós aprendeu a ler porque foi obrigado a isso, e só usa essa habilidade [mal adquirida] acidentalmente ou, é claro, por alguma necessidade ordinária.

Bem, é esse desamor ao conhecimento que nossos jovens aprendem a cultivar, porque é isso que confessamos todos os dias para eles através de nossa presunçosa preguiça cognitiva. Essa é a semente que cultivamos em nossos corações e que, de quebra, ensinamos os mais novos a cultivarem em seus átrios e ventríloquos.

Por isso, cultura é tudo aquilo que cultivamos e cultuamos em nossa vida. É por isso que ela, a cultura, é o que fica depois que esquecemos tudo o que foi aprendido, porque apenas fica em nossa alma as tranqueiras que, de fato, amamos.

Por essa razão que não é de modo algum um equívoco dizermos que tudo que o ser humano toca, de certo modo, é uma expressão cultural, pois documenta o modo de ser de um grupo humano, de uma época e, é claro, de um indivíduo singular e, por essa mesma razão, que não seria apropriado dizer que toda expressão cultural teria a mesma importância e o mesmo valor. Aliás, todos nós sabemos disso, tanto que preferimos muitas coisas, e preterimos outras tantas, mesmo que não usemos critérios apropriados para realizar tal classificação.

Ora, o desamor ao conhecimento é um hábito cultural disseminado em todos os cantos deste triste país e é expresso através das mais variadas manifestações culturais que documentam o estado de putrefação que se encontra a nossa alma.

Isso mesmo. O desamor ao conhecimento e à verdade são expressos através de bens culturais que recebem de nossa parte o solo de nossa atenção e, tais bens, não tem, de jeito maneira, o mesmo valor que incontáveis obras que bem representam o que há de mais elevado na alma humana.

Sem critérios claros para classificarmos os bens cultuais que chegam até nossas ventas, nós corremos o risco que nos desorientar profundamente em meio ao turbilhão que chega até nossas mãos e, por não dispormos de bons critérios, por comodidade e desídia, podemos acabar nos apegando a qualquer coisa, talvez aquela que primeiramente tranqueira que chegue em nossas mãos.

Não preciso nem dizer, mas o farei: sem critérios claros, nós não fazemos nada que preste nesta vida. Não compramos nem um par de sapatos bom e, principalmente, dificilmente encontraremos uma boa pessoa para dividirmos os dias de nossa vida.

Termos bons critérios de seleção para enriquecermos a nossa alma é algo fundamental para que possamos, realmente, crescer em espírito e verdade e, desse modo, através de uma vida sincera e integral, podermos apresentar as tenras gerações um exemplo diferente deste que frequentemente apresentamos, onde exigimos deles uma grande dedicação e um tremendo esmero, enquanto nós chafurdamos gostosamente na mediocridade nossa de cada dia.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela – professor e cronista ([email protected])

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