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Jocão
Em Maceió havia um mentiroso, aliás, o maior mentiroso do mundo e não era deputado: era o Jocão. Assíduo frequentador do Café Colombo na Rua do Comércio, ponto de convergência de intelectuais, políticos, artistas, boêmios e outros desocupados. Jocão, ao entrar, se achegava às melhores rodas. Todos gostavam de suas divertidas histórias. Escolhia uma mesa onde não houvesse possibilidades de pagar a conta, arrastava uma cadeira, sentava, entrava na conversa. Logo perguntavam pelas novidades. Era a senha. Jocão, com sua fértil imaginação, primoroso contador de histórias, iniciava uma fantástica trama inventada na hora.
Certa tarde ele contou como se tornou o maior criador de codorna do Brasil. De sua fazenda no Carrapato exportava codorna e ovo para todo mundo. Tudo começou numa visita a Pedrinho, coletor estadual de Fernão Velho. Na despedida, Pedrinho embrulhou alguns ovos de codorna num papel de jornal para Jocão cozinhá-los em casa. Ele colocou o embrulho no bolso do paletó.
Já havia passado mais de um mês quando Jocão ouviu piados no quarto. Investigou de onde vinham aqueles pios parecidos com os de pombos. Ao abrir o guarda-roupa desvendou-se o mistério: no bolso do paletó estavam oito bruguelos de codorna nascidos dos ovos, presente de Pedrinho esquecidos no paletó.
Ele retirou os bruguelos, deu de comer pirão de farinha de mandioca. Os bichinhos foram crescendo. Reproduziram-se com rapidez, ele teve de colocá-los em sua fazenda no Carrapato. Já era considerado o maior produtor de codorna do país, talvez do mundo. Tudo por mera sorte.
Depois de contar a mentira, sentia-se à vontade entre os amigos, pedia mais cerveja e tira-gosto. Pagava a conta com suas fantasiosas histórias.
No tempo da II Guerra Mundial, muitas vezes Maceió entrou em “blackout”. Todas as casas, todas as ruas apagavam as luzes. Carros e ônibus não circulavam. A cidade totalmente às escuras se precavendo de um ataque aéreo ou de submarinos alemães. Havia uma rigorosa fiscalização pela defesa civil procurando alguma falha, alguma luminosidade para corrigir.
No final da tarde posterior a um desses rigorosos “blackout”, Jocão apareceu nas escadarias da Associação Comercial, onde se juntavam os grandes comerciantes e homens do mundo dos negócios.
Assim que viram Jocão foram perguntando pela novidade. Ele não se fez de rogado e iniciou sua história.
“– Eu quase não dormi nessa noite de blackout, os aviões da fiscalização sobrevoaram o tempo todo a minha casa. Parecia que havia alguma coisa errada. Um avião passou tão baixo que meu vizinho acendeu o cigarro no fogo do motor do avião. Ouvi no rádio que havia um foco intenso de luz na rua onde moro, pedia à população para procurar a luminosidade senão os submarinos bombardeavam Maceió. De repente minha casa foi invadida por soldados do 20º BC. Tinham identificado o “holofote” na janela de minha casa. Tudo foi esclarecido, a forte luminosidade era o anel de brilhante de minha esposa que refletia a luz da Lua. A luz foi identificada por um oficial em posição na cabeça do cais do porto, depois que os aviões deram o alarme. Cheguei a ser preso. Só sai do quartel hoje pela manhã.”
Jocão se aborrecia quando o chamavam de mentiroso. Certa vez no Café Colombo pediram para contar uma mentira. Ele ficou triste, calado e muito sentido. Logo esclareceu, sua mulher havia falecido. Estava por ali para espairecer um pouco e ver se arranjava algum dinheiro, ajuda para o enterro.
Os boêmios solidários fizeram uma arrecadação, deram a quantia para Jocão, que além de embolsar o dinheiro, pegou algumas garrafas de cerveja, um taco de presunto, deixou na conta dos amigos e foi chorar a defunta.
Um bêbado e um garçom foram designados para comparecerem ao enterro da mulher do Jocão no dia seguinte às 10 horas, representando os frequentadores do Café Colombo.
Ao chegarem perto da casa de Jocão na Rua Santa Maria (hoje Guedes Gondim) estranharam a falta de movimento e não ter cortinas negras nas janelas, como era costume nos enterros saídos das casas do morto.
De repente Jocão abriu a porta. Os representantes do Café Colombo perguntaram a hora do enterro. Para espanto dos visitantes, nosso herói gritou para dentro de casa: “Bastinha, venha ver quem veio para seu enterro”.
Complementou para os dois companheiros: “Vocês não pediram para eu contar uma mentira?”.
Sua mulher apareceu dando uma bela gargalhada. Convidou os amigos para uma irrecusável rodada de cerveja com tira-gosto de charque. A alegre “defunta” se divertia com as invencionices de seu marido, Jocão, o maior mentiroso do mundo, que nasceu e viveu na cidade de Maceió. Até hoje contam suas fanfarrices e mentiras bem humoradas.
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