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Com os sentidos entorpecidos
Tudo deve ser chamativo, cativante, empolgante, divertido, estimulante, o maior barato. Essa é a toada que é tocada há décadas por todos aqueles que amam falar sobre a tal da educação sem nunca ter-se dedicado, realmente, por algum tempo, a essa empreitada e, principalmente, sem nunca ter, de fato, levado à sério a sua.
Sim, esse é um canto de sereia que é cantarolado em várias esferas, nos mais diversos tons, com os mais variados arranjos e, de tanto ser encenado, incontáveis almas distraídas, num e noutro momento de desatenção, acabam crendo que tal cantilena seja uma expressão fidedigna da realidade e passam a repetir a mesma música como se essa fosse um eco do seu coração.
E como esse é um mantra que é repetido exaustivamente por doutores, políticos, burocratas, jornalistas e demais criaturas similares, penso que seja importante lembrarmos de uma obviedade que, ao menos para mim, parece ser tremendamente ululante. A sala de aula não é um picadeiro de circo. A aula não é, e não pode ser, confundida com show de auditório.
Um picadeiro deve, necessariamente, ser chamativo, cativante, empolgante, divertido e estimulante; um show de auditório também, pois ambos são elementos que tem por objetivo furtar a atenção dos espectadores para mergulhá-los numa abissal dispersão que em nada os eleva.
Uma sala de aula não. A finalidade desse espaço é bem outra e, ao que parece, na cumbuca de políticos, doutores, burocratas, jornalistas e similares, não está muito claro qual seria a função deste espaço, apesar de falarem tanto sobre isso.
Esquecemo-nos que, numa formação, pouco importando qual seja, quando nos dispomos a nos submeter ao aprendizado de algo, nós estamos nos entregando ao difícil trabalho de dilatar o nosso horizonte de apreensão da realidade para podermos ampliar a nossa capacidade de compreensão e de ação sobre o mundo, sobre os nossos iguais e, principalmente, sobre nós mesmos e, se estivermos dispostos a isso, inevitavelmente teremos que enfrentar os nossos limites.
Aprender, por definição, é isso: superar limites. E não tem lesco-lesco. Superar limites acaba sendo sempre algo desconfortável num primeiro momento, tendo em vista que todos nós gostamos muito de ficarmos “mal acostumados”. Por isso, não há exagero algum em afirmar que a educação é um constante e persistente esforço de auto superação.
Aprender a escrever corretamente as palavras de nossa língua materna dói. Tornar-se fluente numa língua estrangeira machuca. Dominar as operações matemáticas elementares é algo doloroso também, como também o é compreender o arco narrativo de uma história, seja ela verídica ou ficcional, da mesma maneira que adquirir alguma excelência em um esporte exige que derramemos alguns borbotões de suor e lágrimas. Dói compor um soneto, da mesma forma que é torturante aprender a tocar um instrumento musical.
Enfim, o resultado do aprendizado de qualquer coisa, com toda certeza é algo que traz algum regozijo para a nossa alma, mas aprender algo, de fato, sempre é um trem difícil e doloroso, porque exige que nós abandonemos a nossa mendacidade nada original. Sem esse abandono, não existe esforço sincero, nem aprendizado genuíno.
E, assim o é, porque aprender, como havíamos dito, necessariamente é um exercício contínuo e perseverante de auto superação e, qualquer um que diga o contrário, ou está de malandragem, ou não tem a menor ideia do que seja a dita cuja da educação.
Essa visão de educação enquanto picadeiro circense, adornado com parafernálias tecnológicas (que são o fetiche número um de almas deformadas que se aninham em cubículos burocráticos), é algo que, por um hedonismo inconfessável, procura sorrateiramente banir do ambiente educacional, todo é qualquer esforço autoconsciente que deveria se fazer presente no cumprimento dos deveres estudantis.
No entender dos defensores da espetacularização da educação, tudo deveria ser ensinado de uma forma que o aluno [supostamente] aprenda sem se dar conta de que está aprendendo (como se isso fosse realmente possível).
Parênteses: antigamente, se não me falha a memória, o nome que se dava a esse tipo de prática era adestramento, ou manipulação comportamental, não educação. Fecha parênteses.
Por fim, penso que seja importante lembrarmos que quanto mais se trata o ato de educar como se esse fosse um reles entretenimento, que deve ser atraente, divertido, empolgante e tutti quanti, menor será a maturidade conquistada pelo infante em sua jornada.
E se ele não é levado a se sentir responsável pelos seus atos e pelas consequências de suas escolhas e decisões, o aluno não estará sendo educado, mas sim, transformado num monstro moral que irá acreditar que algo apenas é digno de sua atenção se apetecer aos seus sentidos entorpecidos de dopamina desde tenra idade.
Dito de outra forma: uma pessoa que não é ensinada a ser consequente, que não é levada a aprender com a correção dos seus erros, definitivamente, é uma pessoa que está sendo deformada, com direito, inclusive, a um histórico bonito e a um diploma ajeitado.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela – professor e cronista ([email protected])
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