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Abaixo de zero
Recentemente visitei Bariloche na Patagônia Argentina onde ao chegar, imediatamente organizei visitas aos principais pontos turísticos da região, incluindo no pacote vestes térmicas impermeáveis, itens de fundamental importância para conviver com a baixíssima temperatura da província.
Dia seguinte, já no veículo que levaria aos passeios agendados, escutei voz familiar cantarolando ruidosamente, de forma repetida, o hit “Capitão de Areia”, do comediante deputado Tiririca. Um verdadeiro tormento aos ouvidos de qualquer ser humano. Vagarosamente olhei para trás e verifiquei tratar-se de Jesualdo. Nesse mesmo momento outro passageiro gritou: “por Dios, cala-te”. Silêncio total dominou o ambiente.
Na primeira parada, em Cerro Campanário, abracei o velho amigo que demostrou felicidade ao me rever em terras portenhas. Admirei-me ao notar que ele usava calça jeans, sapato de sola e casaco de lã. Ao questioná-lo a respeito, falou ser caro o aluguel das roupas recomendadas, e tiraria de letra, pois estava acostumado com clima frio.
Segui até o guichê onde era vendido, por vinte reais, bilhete para utilizar teleférico que levaria ao topo do morro. Para minha surpresa Jesualdo resolveu não gastar tal quantia optando por permanecer no transporte que nos trouxera.
Ao voltar, já com neve por todos os cantos, notei o nosso coletivo estar fechado e vazio, como inexistiam abrigos nas redondezas, encontrei Jesualdo praticamente roxo e congelado, tentando proteger-se no interior de um banheiro químico.
Dia seguinte seguimos para nova aventura, agora no Cerro Catedral, um dos frequentados locais da região, mais uma vez Jesualdo resolveu economizar optando por não subir até onde se pode apreciar a vista, esquiar ou brincar nas encostas nevadas.
Final da visita, enxerguei o bacana em uma cervejaria levemente embriagado, novamente cantando “Capitão de Areia”, e para surpresa notei quando sua vontade apertava, ao invés de usar o sanitário, corria para o estacionamento e aliviava-se.
Em uma das vezes, encostou-se por trás de um ônibus e quando começou a esvaziar a bexiga, algumas pessoas se aproximaram, preocupado, começou a caminhar, sem notar que bem a sua frente estava um funcionário acocorado, limpando a nevasca, tendo urinado sua cabeça, fato que gerou imensa confusão.
Naquela mesma noite, pediu-me para acompanhá-lo até o Centro Cívico da cidade onde entregaria um berimbau enviado por Germinia para um argentino com quem mantivera affair caliente durante show de Bell Marques na Praia do Francês.
Tempos depois, sem nada acontecer, termômetro marcando negativo, Jesualdo perdeu a paciência e após me contar que não sabia como identificar o cidadão e muito menos possuir seu contato telefônico, saiu praça afora abordando todos os que lá se encontravam pelo nome: “Salvador”. Repetindo tal iniciativa em mais de cem ocasiões, em vão. Quase sessenta minutos após, desistiu da empreitada e retornou trazendo o pacote do instrumento usado na dança popular da Bahia, a capoeira, pendurado nas costas.
Pensei comigo mesmo: a temperatura pode até cair, mas devemos continuar com o humor fervendo, porque faça frio ou calor, o importante é ser feliz. Jesualdo é peça.
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