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Sábado de sol
Sábado de sol, aluguei um caminhão, para levar a galera pra comer feijão. Mentira. Não fiz nada disso. Apenas, não sei por que cargas d’água, lembrei-me desse trecho de uma das músicas dos “Mamonas Assassinas”.
Na verdade, neste fim de semana, minha senhora, junto com minha filhota, foram ao salão de boniteza e, lá estando, puxaram conversa com uma mulher que lá estava, fazendo suas unhas, muito simpática e boa de prosa que, por ventura, ou desventura, era professora de matemática.
Conversa vai, conversa vem, e eis que a professora afirma que estava cansada, frustrada com a profissão. Disse ela, com os olhos marejados, que ao final do ano (que passou e já foi tarde), um abençoado que ficou o ano todo sem frequentar as aulas, sem dar um sinal de vida, de repente, nalgum dia de dezembro, pouco antes do fechar das cortinas das encenações letivas, deu o ar da graça. E ela teve de aprová-lo, com base nos critérios epistemológicos da “educação segundo a malandragem”. Ou seja: por nada ter feito, tudo recebeu, para não macular a formosura dos números oficiais. Foi aprovado.
E, algo me diz, que o afrontoso caso vivido pela tal professora não foi o único e que, bem possivelmente, muitas situações similares foram vivenciadas em outros estabelecimentos de ensino dessa terra de desterrados.
Como havíamos rabiscado noutras escrevinhadas, a disciplina não mais encontra morada no que se convencionou chamar de educação na atualidade. Não mais. Isso é coisa do passado. A nova onda é fazer o que bem quiser e [praticamente] não ser reprovado.
E, isso em muito se deve, a uma convergência de duas correntes de perspectivas espúrias sobre o assunto. Convergem, para a degradação geral da educação, aqueles que defendem a ideia de que a vida desregrada e sem ordem seria sinônimo de libertação, com os que acreditam que o aumento no número de protocolos burocráticos ocos seria sinônimo da elevação da qualidade do ensino. É, literalmente, a união da má vontade com a vilania sádica.
Em se falando nesse império de desordem, que se mancomuna com o imperialismo do vitimismo engajado, lembro-me aqui, meio que de passagem, do êxodo do povo hebreu, história a qual todos nós conhecemos muitíssimo bem (ao menos deveríamos conhecer muito bem).
Conta-se que o profeta Moisés libertou o povo hebreu da escravidão nas terras do Faraó. Porém, para tanto, o povo escolhido teve que peregrinar por quarenta anos no deserto para se purificar das manchas profundas que a escravidão havia impingido em suas almas. Aliás, lembremos: não há como adquirirmos bons novos hábitos se nós não nos purificarmos dos odores advindos dos velhos maus hábitos e, para realizar tal empreitada, é preciso muita força de vontade, retidão de propósito e tempo. Tempo, empenho e dedicação. Não tem mamãe, a barriga me dói. É assim mesmo filhão.
Bem, após esse período de purificação, tudo parecia acabado, mas o povo hebreu carecia de regras para organizar sua vida. Isso mesmo, regras. Então, Moisés subiu ao monte Sinai, onde recebeu do Altíssimo o Decálogo, os dez mandamentos. Detalhe importantíssimo: o Senhor não nos deu “dez conselhos”, ou “dez dicas”, ou “dez tapinhas nas costas”. Não. Ele nos deu dez mandamentos.
Ele sabe muito bem do que nós precisamos, bem ao contrário de nós, com nossa imensurável presunção.
Noves fora zero, nesse meio tempo, como todos nós sabemos, tivemos a treta em torno do bezerro de ouro que, também, é tremendamente ilustrativa. Digo isso por uma razão muito simples: naquela altura do campeonato, o povo hebreu estava livre, leve e solto, purificado da servidão faraônica, porém, não tinha nenhuma regra para auxiliá-lo na conquista efetiva da liberdade e, quando nós, seres humaninhos, ficamos soltos, sem regra alguma, rapidamente nos tornamos escravos das nossas paixões e passamos a adorar qualquer coisa que simbolize os nossos caprichos.
Quando temos apenas a nossa presunção como critério de julgamento para nos guiar, sem o auxílio e supervisão de alguém mais experimentado e vivido do que nós, acabamos rapidinho louvando e almejando não as qualidades que estejam acima de nós, mas sim, tudo aquilo que está abaixo do que se espera de um ser humano, trazendo à tona, e de forma descontrolada, os impulsos e instintos mais baixos que habitam em nosso ser.
Da mesma forma que não se navega sem uma rota, não se constrói uma edificação consistente sem um projeto, nem se forma uma personalidade sólida sem regras claras que deem um rumo e um prumo para a vida, para nossa vida. Não apenas de segunda à sexta-feira, mas também nos sábados ensolarados e nos domingos chuvosos, com ou sem caminhão.
O problema, a grande encrenca fomentada por nosso sistema de educação, que anda de mãos dadas com a conivência dos pais e responsáveis, não é tanto o que os mancebos deixaram de aprender com toda a ausência de ordem que impera, mas sim, o que foi aprendido de forma silente por cada um deles, e por nós, e que encontra-se encastelado no nosso modo de ser como se fosse uma segunda pele.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela – professor e cronista ([email protected])
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