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Ouvindo conversas

12/06/2022
Ouvindo conversas

Muitos pensam que a inspiração é fundamental para o escritor contar uma história, nem tanto, para contar uma boa história é preciso se inspirar em um acontecimento, é preciso ler nos jornais ou ouvir alguma ocorrência. Eu vivo catando, anotando, escutando histórias alheias, cometo pequenas ilicitudes éticas em busca de um tema para minhas crônicas Domingo passado desci do meu apartamento, fui comer acarajé com cerveja gelada na praia. Ao me sentar na cadeira, de repente, ouvi claramente a conversa entre dois amigos, fingi que teclava no celular e ouvi, sem pudor, o diálogo, entre dois amigos, que reproduzo aqui sem constrangimento, sem licença. É bom ter cuidado comigo.

Um dos amigos perguntou pela digníssima esposa do outro, Dona Alice. O amigo dois respondeu com mágoa:

– Você não está sabendo, ela me largou, foi-se embora.

Imediatamente ele sorveu um copo de cerveja olhando distante para o horizonte do mar azul da Jatiúca. O amigo um pediu-lhe desculpas, não sabia do fato, ficou cheio de dedos. Continuaram com um papo ameno, repetitivo, sem graça, quando de repente o amigo dois, desabafou:

– A sacana está em Paris!!!!!

Nesse momento o amigo um perguntou o porquê da separação. Com um olhar macambúzio para o chão, o amigo dois abriu o jogo; contou a história nos pormenores. Eu teclava o celular, ouvindo, na maior atenção, a narrativa, o cara era bom contador.

– Na sexta-feira antes do carnaval eu fui à casa de praia na Barra de São Miguel a fim de colocá-la nos trinques preparando para receber os amigos, a família durante o carnaval. Acredite que eu há muito tempo deixei de ser mulherengo, mas acontecem coisas na vida da gente, o diabo tenta. Eu estava na varanda da casa, contemplando a belíssima vista da praia quando apareceu Cicinha, filha da cozinheira para ajudar na faxina. Eu me alegrei, já “secava” a jovem desde que ela retornou de São Paulo, para onde foi há três anos, com menino no bucho, em busca do pai. Ficou em São Paulo até que o pai da criança, o marido desapareceu. Ela tentou sobreviver, foi difícil, teve que voltar para casa da mãe. Cicinha com seus 19 aninhos sabe que tem um corpo bem torneado e por isso só usa vestidos curtos, deixando à vista o belo espécime feminino. Quando me vi sozinho com Cicinha dentro de casa, não me conteve, fui chegando junto, alisei seu cabelo, seus braços, ela dizia numa cumplicidade, “Que é isso?” Terminamos deitados no tapete da sala, nos abraçamos, nos beijamos. Ela, uma fera, pedia tudo e assim foi até a apoteose final. Estávamos ainda estirados no chão quando a porta se abriu. Alice chocou-se com a cena. Foi um flagrante constrangedor, ela gritou com ódio: “Seu filho de uma puta!!!” Bateu a porta, retornou a Maceió.

– Não tive coragem de voltar para casa. Procurei amigos, parentes, contei a história, pedi que fizessem a ponte da reconciliação, de fato eu estava arrependido, nunca mais aconteceria aquilo, promessas vãs que todos os pecadores cometem. Alice irredutível mandou recado que eu não tivesse a ousadia em procurá-la. No sábado de carnaval, tristonho acordei de ressaca na casa na Barra, pensava muito avaliando a merda que tinha feito. À noite fui dar uma volta no carnaval do centro da Barra e tive um susto quando vi Alice com um short curto, barriguinha de fora, toda charmosa dançando na rua, pulando com amigos. Deixei passar um tempo, até que certa hora o álcool deu coragem, fui até Alice, ela me empurrou, disse que chamava a polícia. Levaram-me bêbado para casa. No domingo deu-me uma terrível depressão. À noite foi pior. Ao ver Alice abraçada e beijando a boca de um jovem, eu parti para cima, puxei-a dizendo que levaria para casa, nesse momento levei um tremendo soco do acompanhante. Levaram-me novamente bêbado para casa. Durante o resto do carnaval procurei, não consegui encontrar Alice. Ela desapareceu de casa com roupas e pertences.

O amigo dois estava com lágrimas nos olhos ao contar o resto da história.

– Eu só soube notícia de Alice depois que viajou. Na quarta-feira de cinzas assim que o banco abriu, ela sacou os R$ 320.000,00 de conta conjunta, viajou para Europa. Não sei quando volta, e o pior, o jovem atleta está fazendo companhia em seus passeios parisienses e em sua cama no hotel à beira do Sena.

Ao terminar a trágica história os dois amigos pagaram a conta e subiram abraçados, meio bêbados. Eu retornei ao meu apartamento, com pena do rapaz que cometeu o pequeno deslize e pensando como é cruel a vingança de uma mulher ferida.