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Em Busca do Tempo Perdido

06/03/2022
Em Busca do Tempo Perdido

Foi muito difícil para Carminha quando recebeu a notícia da morte de seu marido, o querido José Diogo. Infarto fulminante. Estava sentado trabalhando, de repente sentiu-se mal, gritou para os colegas.

– “Socorro! Estou com dor no peito. Estou com…”.

Não terminou a frase, sua cabeça pendeu, caiu de bruços em cima do birô. Deitaram Zé no chão tentando respiração boca-a-boca. Quando a ambulância chegou, já estava morto.

Zé Diogo era um cara sério, austero, decente, nacionalista convicto, funcionário exemplar da Rede Ferroviária. Em 29 anos de serviço nunca faltou um dia à repartição Homem formal, não bebia, nunca fumou. Tinha um físico magro de dar inveja aos amantes da malhação. Seu coração era fraco devido a uma picada do besouro barbeiro durante a divertida infância na amada Murici.

Com todos esses predicados, enchia a mulher de orgulho. Carminha era convicta: “Homem sério e decente é Zé Diogo, por ele ponho a mão no fogo”. Os amigos concordavam. Apenas algumas amigas mais íntimas, diziam para si mesma que Carminha poderia queimar as mãos. Zé Diogo só tinha um problema com a família: gostava de pescaria. No fim de semana invariavelmente viajava com amigos para pescar no litoral sul das Alagoas.

O cemitério Nossa Senhora da Piedade estava cheio de amigos e curiosos. O defunto era popular, chegou a ser candidato a vereador por três vezes seguidas. Em uma eleição teve 451 votos.

Dona Carminha estava arrasada, comovida. Os amigos lhe abraçavam, consolavam. Por conta da emoção, apenas ela não percebeu uma senhora desconhecida, chorava além do normal. Muitos notaram uma mocinha de seus 13 anos se aproximar do caixão depositar uma rosa, e num acesso de choro chamar o defunto de pai. Uma senhora tirou-a discretamente

Na missa de sétimo dia, Carminha foi procurada por essa senhora, morena, bonita, cabelos escorridos.

– Dona Carminha, me chamo Maria do Céu, preciso falar com a senhora, assunto de seu interesse, aliás, de nosso interesse.

A viúva, abraçada à sua única filha, Eugênia, de 13 anos, convidou-a para tomar café em sua casa ali perto na Rua das Verduras. Os parentes mais próximos tomaram o lauto café da manhã, lembrando o amigo Zé Diogo, devia estar no céu àquela hora.

Depois que todos se foram, Carminha convidou a senhora para conversar na varanda. Maria do Céu foi direta.

– Dona Carminha a senhora precisa saber agora, não se pode adiar. Eu e Zé Diogo há muitos anos vivíamos maritalmente. Tenho duas filhas dele. A mais velha é essa que está na sala conversando com sua filha. São irmãs, incrível, nasceram quase no mesmo dia.

Carminha arregalou os olhos, desnorteada com a imprevisível e improvável notícia. Foi um choque como se tivesse levado um coice no estômago. Não admitiu. Não podia acreditar. Respondeu aos berros.

– Mentirosa, ponha-se para fora! Não manche o nome de meu marido!

Maria do Céu sem fazer barulho, falou com firmeza.

– A Senhora precisava saber. Mais coisas irão aparecer. Zé não era um santo. Tome meu cartão, telefone-me quando acalmar.

Saiu levando a filha mocinha que havia adorado a nova amiga, sua meia irmã.

Ainda pela manhã Bartira, uma amiga solteira, bateu na porta. Carminha atendeu aos prantos se lamentando:

– Descobri tudo, toda traição! Eu era chifruda e não sabia!

Bartira teve um choque. Tentando acalmar a amiga, falou com voz baixa e humilde. Pensando ser com ela a história, confessou chorando.

– Desculpe Carminha! Agora que você descobriu, quero dizer, não tive culpa. Zé Diogo quando me via falava aquelas coisas bonitas. Era um finório na lábia. Juro que transei a primeira vez porque prometeu parar aquelas cantadas. Mas Zé era insistente, você sabe. Peço perdão, pelo amor de Deus.

Carminha ficou afônica, atônica e estarrecida. Atirou no que viu, acertou no que não viu. Botou Bartira de casa para fora. Chorou o resto do dia.

Durante a semana apareceram mais histórias: um filho bastardo na praia do Peba em Piaçabuçu. Até Josefa, a nova copeira, Carminha descobriu que Zé comeu.

A viúva inconformada com as peripécias amorosas do defunto ficou reclusa em sua casa. Pediu licença na Secretaria de Agricultura, onde trabalha. Passou um tempo sem receber ninguém, pensando em sua vida. Uma incontrolável raiva do marido apoderou-se de sua alma. Rasgou todos seus retratos.

Na noite da missa do 30º dia, ela reapareceu escandalizando. Entrou na Igreja de vestido bem decotado, justo, transparecendo suas bonitas curvas anatômicas. Chocou mais ainda quando no final da missa convidou as amigas para uma volta na balada de Maceió.

A partir desse dia, Carminha se liberou. Dá para quem quer. Não perde uma noitada de fim de semana. Diz que nada de namoro, só quer ficar… Em busca do tempo perdido.