Esportes
Brasileiros invertem rota e buscam faculdades nos EUA para ingressar no futebol
Depois de passar quatro anos nas categorias de base do São Paulo, dos 13 aos 17, jogar por clubes menores e disputar a Copa São Paulo de Juniores pelo Capivariano em 2017, o meia Vitor Dias ficou preocupado com o futuro de sua carreira. Aos 21 anos, temia não passar “pelo funil” até o futebol profissional, o que acontece com milhares de atletas. Decidiu estudar inglês, aperfeiçoar a condição física e tentar a sorte no futebol universitário dos Estados Unidos, um caminho que acreditava ser mais seguro para a profissionalização.
A aposta começou a dar certo. Jogando pelo time da Marshall University, faculdade localizada em Huntington, West Virginia, o jogador foi campeão do NCAA Division, a College Cup, principal campeonato de futebol universitário e maior vitrine para o sonho da profissionalização dos jovens atletas.
Artilheiro da equipe com seis gols em 17 partidas, Vitor está ao lado de outros cinco brasileiros: Gabriel Alves, Pedro Dolabella, Vinícius Fernandes, João Peterlini e Davi Edwards. Desse grupo, cinco jogaram no time titular. Dois jogadores – Vitor e Gabriel – já foram convidados pelo Atlanta United para uma fase de treinos. Eles ainda não têm vínculo, não é a promessa de nada, mas é o primeiro passo para uma contratação para a ascendente MLS (Major League Soccer), a liga norte-americana. Ingressaram na faculdade e agora tentam ingressar no futebol.
A presença dos brasileiros foi decisiva para a conquista universitária. A universidade nunca havia sequer havia alcançado a semifinal em sua história. Atualmente, são 187 equipes na Primeira Divisão do futebol universitário dos Estados Unidos.
De acordo com Associação de Agências de Intercâmbio do Brasil (Belta), aproximadamente 3 mil adolescentes buscaram o intercâmbio esportivo em 2018. Isso significa 20% a mais do que no ano anterior. Os dados do ano passado não estão disponíveis porque os Estados Unidos se mantiveram praticamente fechados para os brasileiros. Apenas quem já tinha o visto de estudos e fez quarentena em outro país pode entrar nos EUA.
O número ainda é pequeno quando comparado aos 364 mil brasileiros que deixam o País apenas para estudar fora. Mas as agências especializadas apontam crescimento de 20% a 25% nos últimos cinco anos só na modalidade esportiva. Os clubes percebem esse aumento.
“É notório o crescimento de brasileiros nas universidades dos Estados Unidos. É um avanço de 15% a 20% nos últimos anos”, avalia o brasileiro Paulo Nagamura, técnico da segunda equipe do Sporting KC. “Recebemos vários contatos de atletas e empresários. Como a liga universitária é muito grande, com várias divisões, muitos atletas de qualidade podem ser descobertos em universidades não tão conhecidas”, explica.
A MLS está em alta no futebol brasileiro. Só nesta temporada, equipes que disputam o torneio fizeram contratações relevantes por aqui. Três negociações chamaram atenção nos últimos meses. Aos 21 anos, Brenner deixou o São Paulo e rumou ao Cincinnati; Alexandre Prato, 31 anos, está no Orlando City e, mais recentemente, Yeferson Soteldo, 23 anos, escolheu o Toronto, após dois anos e meio no Santos. Além deles, há mais 25 brasileiros no torneio.
O caminho escolhido pelos campeões universitários foi o inverso da trajetória dos profissionais. Em vez de percorrer os caminhos estreitos das categorias de base no Brasil e depois buscar o exterior, os jovens decidiram iniciar a carreira nos Estados Unidos. É uma mudança importante de paradigma. “O nível técnico do Brasil é melhor, porém eles compensam com um jogo muito mais físico e principalmente tático. No geral, o nível é muito parecido”, diz Vitor.
Além de formarem mais da metade do time campeão universitário, os brasileiros se espalham por outras universidades. Ex-jogador das categorias de base do Palmeiras, o atacante Lucas Mauro está indo para a UCF (University of Central Florida) para ser o 7º brasileiro da equipe. “Atuar com brasileiros vai ser bom. Falar a mesma língua num país diferente é maravilhoso. E vamos mesclar as culturas”, diz Lucas, de 23 anos e que está lá desde agosto de 2019.
FUTEBOL E CARREIRA – No futebol universitário, os atletas podem apostar em duas carreiras. Os jogadores são estudantes-atletas: treinam uma parte do dia e são cobrados – rigidamente – pelo bom desempenho escolar. Quem não tem boas notas, não entra no time. Para atuar, é preciso ter talento acima da média para ser selecionado e se preparar para os testes de proficiência em inglês (TOEFL e SAT).
Para facilitar o caminho, muitos jovens atletas recorrem a agências especializadas em intercâmbio esportivo e acadêmico. O pacote de serviços inclui palestras sobre o funcionamento das universidades americanas, treinos e amistosos para monitoramento das capacidades esportivas e aulas de inglês. A preparação pode levar de 8 a 14 meses.
“Nos Estados Unidos, competir por uma instituição de ensino é o caminho mais sólido para o esporte profissional. A carreira de jogador não é fácil. Se ela não der certo, o atleta tem o diploma de uma universidade americana”, avalia Ricardo Silveira, CEO da 2SV, uma das agências pioneiras no mercado e que costuma levar cerca de 200 atletas por ano para os Estados Unidos.
Ex-jogador do Santos e do São Caetano, com a disputa do Campeonato Paulista e Brasileiro de Aspirantes no currículo, o meia Pedro Santos joga pela Wingate University, na Carolina do Norte. “Foi a minha primeira temporada e foi muito boa, com título individual e coletivo. Quero me formar e jogar futebol profissional aqui”, diz o meia de 22 anos eleito um dos oito melhores atletas de um torneio regional.
Jogar nos Estados Unidos se tornou viável por conta das bolsas de estudo, esportivas ou acadêmicas, que podem chegar a 100% dos valor. Sem a bolsa, o valor médio das faculdades mais baratas é de US$ 25 mil anuais (R$ 132 mil). Isso significa US$ 2.100 por mês (R$ 11 mil). Esse valor inclui moradia, alimentação, livros e estudos. Existem faculdades com valores anuais de R$ 200 mil e R$ 300 mil. Salgado. Para morar fora da faculdade, os valores do aluguel giram em torno de R$ 2 mil.
“A gente fica assustado com esses valores, mas é difícil um atleta internacional vir sem bolsa. Quem paga é só estudante que não faz esporte”, opina o lateral-esquerdo Gabriel Alves, que conseguiu bolsa integral na Marshall University após passagens pelo São Paulo, São Bento de Sorocaba, Capivariano e Água Santa, de Diadema (SP).
Outro fator de atração, esse mais subjetivo, é a meritocracia, termo usado pelos atletas. “Se você está bem, você é premiado. Não interessa quem você é e de onde veio. Algumas coisas me desiludiram no futebol e até pensei em parar. Aqui, parece que o processo mais justo. A meritocracia é muito presente”, diz. “Aqui, os técnicos dão oportunidade para quem realmente merece, trabalha e se esforça por isso”, completa o atacante João Pedro Peterlini Souza, de 20 anos, também campeão com a Marshall University.
Autor: Gonçalo Junior
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