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Sair para conversar
Não via motivo, mas andava triste. É só isso, explicou-se. Meditou que a tristeza andava meio recusada pelo mundo: É um sentimento interditado. Um sentimento, gritou em silêncio, mas as pessoas tomam remédio quando vem alguma tristeza, como se fosse doença. Ponderou beber. Lera que uma dose fazia bem. Podia ser, respondeu-se, podia fazer muito bem, mas aí seria remédio, ideia de doença. Chegaria ao garçom: uma dose qualquer, por favor, para fim de tratamento. Patético. Podia beber outro dia, e não seria por um motivo assim: variar sua emoção.
Deu-se consigo já telefonando. Nem tinha deliberado, mas pedia para conversar. Era uma vontade forte, que se estabeleceu à sua revelia. Desejava que fosse em seguida, em qualquer lugar agradável. Ela que escolhesse. Está bem, qualquer lugar, disse ela. Espera, disse ele, eu sugeri que você decidisse, não me devolva. Não devolvi nada, disse ela, aceitei um convite: sair para conversar. Sua ideia, seu convite, então, sua escolha. Foi enfática. Ele cedeu, indicou. Ela discordou, propôs outro lugar. Ele irritou-se, mas falou calmo: Claro, não havia pensado, mas é bem melhor.
Dirigiu absorto. Estacionou sem pressa. Saltou do carro. Despertou, retornou, ajeitou-se ao espelho. Subiu ao apartamento dela, foi recebido, serviu-se de uma dose de bebida. Olhou o copo, cheirou seu conteúdo, não o bebeu. Não aguardou muito. Prontamente ela apareceu bonita, sorriu linda e falou simpática: Então, vamos? Ele apressou-se em atendê-la. Ela olhou para o copo servido e desistido. Nada perguntou. Ele notou que ela olhou e não indagou, e refletiu, meneando a cabeça: ela devia ter falado alguma coisa, eu sei que ela pensou alguma coisa. Preferiu calar.
A vida tem dessas coisas: ela percebeu que ele percebera que ela havia percebido seu silêncio sobre o silêncio dela. Mas, falar nisso? Seria uma polêmica interminável. Não cabia, de jeito nenhum. Ele notou que ela chegara a essa conclusão, e pensou em dizer que ela estava fugindo de uma discussão, e que isso era um erro, que essas coisas se acumulam e estouram. Melhor não. Seria uma polêmica insuportável. Ele taciturno, ela sorridente, deslocaram-se com poucas palavras. Adentraram o restaurante e, sem consulta, sentaram-se onde ele decidiu que se deveriam sentar.
Ele deslocou a cadeira, ela acomodou-se. Ele a segurou delicadamente pelos ombros, apertou-os com carinho, curvou-se, cheirou e beijou os seus cabelos. Amava com paixão aquela mulher, admirava aquela mulher, queria muito aquela mulher. Deu volta à mesa e se acomodou sorrindo, com vagar. Ela esboçou um sorriso, sustentou-o, e fez um trejeito que expressava curiosidade. Emendou: Então? Conversar… Seu olhar passeou por lugar nenhum antes da resposta: Nada, ou não sei. Quando vi estava ligando. Queria sair, refletir, conversar, mas não é nada… só conversar.
Silentes, meigos, trocaram olhares. As mãos se encontraram. Sob a mesa, ele despiu os sapatos. Discretamente, esticou uma perna, levou o pé pelos meios do vestido dela. Carícias em suas pernas e mais. Ela enrubesceu. Ele a desejou, pensou em se irem, em namorar. Sorriu maroto. Conteve-se. Por fim, suave, falou: Querida, eu tinha vontade… você quer conversar? Ela correu as unhas levemente pelas mãos dele, e disse: Não exatamente, mas sim… claro, vamos conversar. Disseram-se. Vinho, jantar, foram-se na noite. Já conversados, já conversar era desnecessário.
Léo Rosa de Andrade é Doutor em Direito pela UFSC. Psicanalista e Jornalista.
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