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O memorial da rapariga desconhecida
21(Peço permissão a meus queridos leitores, para hoje transcrever fragmentos da matéria do jornalista Fábio Fujita publicada na revista Carta Capital – Fotos da noite de aposição da placa)
Em um uma esquina da Rua Rocha Cavalcante, no bairro de Jaraguá, em Maceió, uma placa reluz: “Memorial da Rapariga Desconhecida – Uma homenagem à mulher que preservou e nos legou Jaraguá. Dedicado por todos os filhos de uma mãe”.
Logo tu, Jaraguá? Quem poderia imaginar… Na origem de um bairro de tão imponentes endereços, pudesse haver uma homenagem tão singela a uma anônima de vida fácil? Ninguém além do escritor Carlito Lima, mentor da placa, assinada pela Confraria do Sardinha, “turma formada por escritores, jornalistas, intelectuais, boêmios, políticos e outros desocupados”, ele explica. Houve até solenidade no descerramento da placa.
A homenagem, segundo Lima, é justíssima. As prostitutas, explica, foram as principais responsáveis pela preservação dos prédios antigos do bairro erguidos no início do século passado, uma preciosidade arquitetônica da capital alagoana. Por ao menos sete décadas, o alto, médio e o baixo meretrício ocuparam os casarões do pedaço.
No início, Jaraguá atraiu empresas e moradores mais abastados por causa do desenvolvimento portuário. Mas, além do comércio, o cais costumava atrair também marinheiros. E estes as prostitutas. E estas os cafetões e um bando de desocupados.
“Região portuária é chamariz de biroscas e raparigas, e logo as casas avarandadas de dois andares foram transformadas em lupanares ocupados pelas mariposas do amor”, poetiza Carlito, sobre a transformação do lugar na famosa zona. “Todas as casas que serviram como boates de raparigas acabaram conservadas, ainda que involuntariamente”, ele garante, antes de citar casos similares como o Recife Antigo, O Pelourinho, o Mangue, no Rio de Janeiro, e La Boca, em Buenos Aires.
Para o escritor Carlito Lima, antigo morador da Avenida da Paz, linda praia no início do bairro de Jaraguá, o próprio conceito de “rapariga” soa anacrônico aos rapazolas dos novos tempos.
A zona do Jaraguá era dividida em três partes. Havia a área frequentada pela fina flor da elite da capital. Nos cabarés mais refinados, o Tabariz e a Alhambra eram famosos, onde se encontravam as mulheres mais belas, muitas “importadas” da Bahia, Rio, Argentina. Os estabelecimentos de segunda, como o Duque de Caxias e o Verde, eram um misto de bares e alguns quartos sem banheiro. “Mais adiante tinha o Sovaco do Urubu, que, aí sim, era zona de última categoria. O camarada passava na porta, pegava gonorreia”, brinca o escritor.
Fora o Memorial da Rapariga Desconhecida, hoje em dia não há marcas em Jaraguá do passado de epopeias libertinas. As prostitutas deixaram o bairro no fim dos anos 60, depois de um incidente que envolveu a esposa de um influente senhor.
Segundo Lima, apesar de morarem preferencialmente em Pajuçara e Ponta Verde, as famílias ricas eram obrigadas a atravessar Jaraguá para chegar ao centro da cidade. Habituada a fazer compras no primeiro horário da manhã, a mulher do nobre cidadão cruzava o bairro quando viu um “vagabundo, que certamente bebera a noite inteira”, baixar as calças, exibir suas partes pudendas e se aliviar nas imediações. Uma agressão à moral e aos bons costumes.
O “coronel”, claro, não gostou da história e usou seu poder para conseguir a imediata remoção dos lupanares de Jaraguá. As raparigas foram transferidas para o distante bairro de Canaã e levaram consigo toda a sorte de beberrões, arrivistas, poetas e notívagos.
O sujeito que fez corar a dama da sociedade nunca foi identificado. Nem se sabe se sofreu algum tipo de punição exemplar.
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