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Caso de “estupro culposo” gera onda de repúdio no Brasil

04/11/2020
Caso de “estupro culposo” gera onda de repúdio no Brasil
Redes sociais ficaram repletas de reações ao caso Mariana Ferrer

Redes sociais ficaram repletas de reações ao caso Mariana Ferrer

O caso da influenciadora digital catarinense Mariana Ferrer – humilhada durante a audiência que absolveu o empresário acusado de estuprá-la –, causou uma onda de repúdio nas redes sociais e reações da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.

A CNJ informou que instaurou nesta terça-feira (03/11) expediente para apurar a conduta do juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na condução da audiência. A investigação sobre a conduta do juiz também é acompanhada pela Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis do CNJ. A OAB/SC informou em nota que pediu esclarecimentos ao advogado de defesa.

Imagens divulgadas nesta terça-feira pelo site The Intercept Brasil mostram trechos da audiência em que a jovem é humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho. O advogado mostrou fotos sensuais da época em que Ferrer era modelo para reforçar a tese de que a relação sexual com empresário André de Camargo Aranha foi consensual. O advogado disse que as fotos mostram “posições ginecológicas” e que “graças a Deus” não tem uma filha “do nível” de Ferrer. “E também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher como você”, afirmou.

Ferrer pediu a intervenção do juiz Rudson Marcos, que não teria repreendido o advogado. “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma que estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”

O juiz acabou aceitando a argumentação do promotor responsável pelo caso, segundo o qual Aranha não tinha como saber que Ferrer não estava em condições de consentir o ato sexual e absolveu o réu.

“A instrução criminal não indicou a presença de dolo na conduta do acusado, não restando configurado o fato típico e antijurídico a ele imputado, qual seja, o delito de estupro de vulnerável”, escreveu o promotor Thiago Carriço de Oliveira em sua argumentação. A defesa de Ferrer recorreu da decisão.

Origem da expressão “estupro culposo”

A expressão “estupro culposo”, que viralizou na internet, não consta no processo, apenas na reportagem do Intercept Brasil. O portal ressalta que a usou para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. “O artifício é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo”, diz nota publicada no pé da reportagem.

Ao jornal Folha de S.Paulo, o advogado Gastão da Rosa Filho se referiu à reportagem do Intercept como fake news. “Ele foi absolvido porque não foi comprovado aquilo que a Mariana tinha alegado, e não por ‘estupro culposo’. Isso aí é uma grande inverdade e fake news. No processo, foram ouvidas várias testemunhas e nenhuma delas corroborou o que a Mariana falou. Temos vídeos, filmagens, que desmentem. Tudo que ela falou foi impugnado por prova pericial e testemunhal”, disse.

Reação nas redes sociais

O ministro Gilmar Mendes se manifestou no Twitter, pedindo uma apuração sobre o ocorrido. “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, escreveu o ministro.

O caso gerou uma onda de reações, com a frase “não existe estupro culposo” se espalhando pelas redes sociais. A hashtags #mariferrernaoestasozinha apareceu nos trending topics do Twitter. Famosos, como a atriz Camila Pitanga, também se posicionaram.

O que diz a acusação

Ferrer teria sido estuprada em 15 de dezembro de 2018, numa festa no clube Café de la Musique, na badalada praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis. A jovem trabalhava como promotora do evento nas redes sociais.

Em seu depoimento à polícia, ela disse que teve um lapso de memória entre o momento em que uma amiga a puxou pelo braço e a levou para um dos camarotes do clube e a hora em que desce uma escada escura. Um vídeo que circulou na internet e foi incluído no processo mostra a jovem aparentemente atordoada subindo uma escada com a ajuda de Aranha em direção a um camarote restrito.

Ela disse acreditar ter sido dopada, e a única bebida alcoólica anotada na comanda do bar em seu nome foi uma dose de gim, segundo o Intercept. A reportagem aponta que Ferrer era virgem até então, como foi constatado por exame pericial.

Ao depor pela primeira vez sobre o caso, em maio de 2019, Aranha negou ter tido contato com Ferrer, mas neste ano, mudou sua versão, e disse ter feito apenas sexo oral na jovem. Além da mudança de versões, o processo foi marcado por troca de delgados e promotores, aponta o Intercept.

Em sua conclusão, o juiz Rudson Marcos afirma que “pela prova pericial e oral produzida considero que não ficou suficientemente comprovado que [Mariana Ferrer] estivesse alcoolizada – ou sob efeito de substância ilícita – , a ponto de ser considerada vulnerável, de modo que não pudesse se opor a ação de André de Camargo Aranha ou oferecer resistência”. Aranha é filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto e empresário de jogadores de futebol.