Brasil
Cerco a Flávio Bolsonaro se intensifica
O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) divulgou nesta quinta-feira (19/12) mais detalhes do suposto esquema de “rachadinha” que funcionava no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.
De acordo com os promotores, contas controladas por um miliciano foram usadas para canalizar parte dos salários de ex-assessores de Flávio para o ex-PM Fabrício Queiroz, apontado como o operador do esquema, que funcionou quando Flávio era deputado estadual no Rio de Janeiro. Além disso, os promotores levantaram a suspeita que Flávio lavou mais de 800 mil reais do esquema de desvios, por meio da compra de dois imóveis.
As revelações ocorrem um dia após uma operação de busca e apreensão ter mirado Flávio, Queiroz e mais duas dezenas de ex-assessores do senador, entre eles vários parentes da ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro. Na quarta-feira, investigadores estiveram numa franquia de chocolates de Flávio, num shopping no Rio, pois também existem suspeitas que o negócio fosse usado para lavar dinheiro do esquema de desvios.
Diante da escalada do caso e o cerco contra Flávio, o presidente Jair Bolsonaro tentou minimizar nesta quinta-feira as implicações da investigação: “O Brasil é muito maior do que pequenos problemas. Eu falo por mim. Problemas meus podem perguntar que eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver com isso.”
O presidente é amigo pessoal de Queiroz desde os 1980 e investigações indicam que o ex-PM depositou 24 mil reais numa conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro em 2016. Segundo Jair Bolsonaro, seria o valor da quitação de um empréstimo.
Contas de miliciano
De acordo com o MP-RJ, Danielle Mendonça da Nóbrega, uma das ex-assessoras de Flávio nos tempos em que o senador era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), devolveu a Queiroz pelo menos 150 mil do salário recebido de 2007 a 2018.
Danielle é casada com o ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, foragido e acusado de integrar a violenta milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio, suspeita de ligação com a morte da vereadora Marielle Franco em 2018.
Segundo informações do MP reveladas pela Folha de S.Paulo, dos 150 mil reais, pelo menos 115 mil reais foram repassados a Queiroz por intermédio de contas controladas por Adriano. Além da mulher, o gabinete de Flávio também empregou a mãe do miliciano Adriano entre 2016 e 2018. O MP também revela que ela repassou parte de seus salários para Queiroz.
Ainda de acordo com as investigações, conversas entre Adriano e Danielle apontam que o miliciano também ficava com parte dos salários da mulher. Em diálogo registrado em janeiro, Danielle, que a essa altura já fora exonerada do gabinete de Flávio, se queixou de dificuldades financeiras. O ex-PM afirma que “contava com o que vinha do seu também”.
Ainda segundo MP, citado pelo jornal O Globo, “Fabrício Queiroz não agiu sem o conhecimento de seus superiores hierárquicos”.
“O próprio revelou para Danielle Mendonça que retinha contracheques para prestar contas a terceiros sobre os salários recebidos pelos ‘funcionários fantasmas’ e os percentuais retornados (‘rachadinhas’) à organização criminosa”, escreveram os promotores.
Lavagem de dinheiro
As investigações também estão concentradas na compra e revenda de dois apartamentos no Rio adquiridos por Flávio e sua esposa, Fernanda Bolsonaro, em 2012 e revendidos entre 2013 e 2014 com lucro expressivo, muito acima da valorização do mercado no período.
A Promotoria indica que as transações possam ter sido realizadas para lavar parte dos recursos do esquema de “rachadinha”. De acordo com as investigações, Flávio e Fernanda compraram dois apartamentos em Copacabana em novembro de 2012, por 140 mil e 170 mil reais.
Em dois períodos diferentes, entre 2013 e o início de 2014, o casal revendeu os dois apartamentos, com um lucro total superior a 800 mil reais, ou 262% a mais do que o valor de compra. No período entre a compra e venda dos imóveis, a valorização registrada pelo mercado na região nunca foi superior a 11%.
“A compra e revenda dos dois imóveis (apartamentos em Copacabana) simulou ganhos de capital artificialmente produzidos em torno de R$ 800 mil para Flávio Bolsonaro e sua esposa, dobrando ou quase triplicando de valor em pouco mais do que um ano, com claro objetivo de lavar parte dos recursos em espécie obtidos ilicitamente através do esquema das ‘rachadinhas’ de servidores da Assembleia Legislativa do Rio através da incorporação ao patrimônio imobiliário do casal”, revela o MP-RJ.
O órgão acrescenta que o esquema contou com participação do proprietário original dos dois imóveis, o cidadão americano Glenn Dillard, suspeito de ter registrado uma venda oficial por um valor artificialmente baixo e recebido a diferença em dinheiro vivo.
Ele recebeu cheques que somavam 310 mil reais de Flávio, mas no dia mesmo da concretização do negócio depositou 638.400 reais em dinheiro vivo num banco. Como não havia vendido outro apartamento no período para justificar o valor, a promotoria suspeita que esse dinheiro vivo tenha origem no esquema de rachadinha do antigo gabinete de Flávio.
E, segundo o MP-RJ, a lavagem de dinheiro não ocorreu apenas com apartamentos. Mas também com a franquia de chocolates de Flávio num shopping na Barra da Tijuca. EdDee acordo com os promotores, existe a suspeita de que Flávio lavou 1,6 milhão de reais na loja entre 2015 e 2018. O local passou a contabilizar um volume maior de compras em dinheiro vivo depois que o senador adquiriu o negócio.
Até 2018, de acordo com o MP, que foi citado pela Folha de S.Paulo, o volume de depósitos em dinheiro vivo da loja foi o equivalente a de 37,5% dos recebimentos por cartões. O proprietário anterior afirmou que essa proporção sempre girava em torno de 20%. Em alguns períodos, como entre novembro e dezembro de 2018, a proporção de depósitos em espécie superou 90% do dinheiro recebido com cartões. Isso num período que coincide com o pagamento do 13° dos servidores da Alerj.
O MP-RJ também identificou uma discrepância entre o valor do faturamento do estabelecimento informado à administração do shopping e o volume de créditos efetivos nas contas da loja. A diferença alcançou 1,6 milhão de reais.
Histórico
Em dezembro de 2018, Fabrício Queiroz, que trabalhou por mais de uma década como assessor e motorista do senador, se tornou publicamente o centro de uma investigação sobre Flavio Bolsonaro, e outras 101 pessoas físicas e jurídicas. O MPF obteve em maio a autorização para a quebra dos sigilos fiscal e bancário de 96 pessoas físicas e jurídicas, incluindo o senador e seu ex-assessor.
A investigação foi iniciada em julho de 2018. Meses antes, o Coaf – agora extinto e substituído pela Unidade de Inteligência Financeira – alertara o MP sobre movimentações atípicas na conta de Queiroz.
O compartilhamento das informações foi questionado como ilegal, e o caso ficou parado até novembro de 2019, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que o compartilhamento de informações ocorreu dentro da lei. Queiroz e Jair Bolsonaro se conheceram em 1984, e ele trabalhou para Flávio entre 2007 e 2018.
Segundo a revista Crusoé, o MP-RJ noticiou que o ex-assessor Fabrício Queiroz recebeu pelo menos 2.062.360,52 de reais através de 483 depósitos feitos por assessores de Flávio Bolsonaro. Segundo o MP-RJ, os valores foram transferidos por 13 servidores do gabinete do parlamentar.
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