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Capixaba e o Banho de Mar à Fantasia

24/02/2019
Capixaba e o Banho de Mar à Fantasia

No domingo anterior ao carnaval, quando havia o Banho de Mar à Fantasia na Avenida da Paz, lembro-me de Capixaba. Osvaldo Carlos do Rego Couto, era seu nome. Amigo de juventude nas areias brancas da praia da Avenida, excelente ponta direita, o xodó das meninas, cuidava de seu físico como um bom narcisista.

Há algum tempo morava em Brasília, nunca perdemos o contato. Conquistava a todos pela alegria, um ser humano de bem com a vida. Na última vez que almoçamos juntos relembramos grandes noitadas, aventuras de jovens cheios de sonhos.

Certa vez, numa manhã quente do Banho de Mar à Fantasia, estávamos fazendo o passo na Avenida da Paz acompanhando o Bloco Cavaleiro dos Montes. Ao tocar o Vassourinhas a moçada enlouqueceu fazendo o passo no asfalto. De repente Capixaba recebeu uma cotovelada na cara, caiu no chão, machucou-se. Ao recuperar-se, soube que o agressor tinha sido o Porreta, um baiano, alto, forte e arruaceiro. Certa noite de boemia, ele brigou com três policiais. Era o marginal mais conhecido nas baixas rodas da zona, não só por ser briguento, também por um pequeno detalhe, era uma tremenda bichona, a Madame Satã de Maceió. Todos tinham medo de Porreta, homossexual macho para ninguém botar defeito. Capixaba inconformado desafiou o baiano para um duelo de “Vale Tudo”, dali a um mês, na Praça Sinimbu. Porreta topou a parada, marcaram a data, hora e local pelos intermediários.

Capixaba e Porreta começaram o treinamento para grande luta. Boêmios, raparigas, policiais, autoridades, ficaram sabendo da luta que aconteceria; metade da cidade ficou na expectativa. Capixaba diariamente corria do coreto da Avenida até o Morro Tom Mix, uma duna vistosa no Trapiche da Barra, depois terraplanada para construção da fábrica Salgema.

Naquela época, Nezito Mourão, um dos maiores beques do Brasil, jogou no Santos junto a Pelé, campeão do mundo em 61-62, havia aberto uma Academia de Boxe. Capixaba matriculou-se, recebia aulas técnicas de murros, ataques e defesas. Certa vez os dois “brigavam” em treinamento, Capixaba de repente aproveitou uma guarda aberta de Mourão, deu-lhe um soco no olho, o crioulão na hora tentou dar o troco no indisciplinado aluno, mas ele saiu correndo, foi bater em Marechal Deodoro. Fazia parte do treinamento.

Certa tarde na Avenida da Paz, Capixaba avistou dois marinheiros ingleses andando em direção ao cais do porto, ele gritou “Son of bich”, os marinheiros não gostaram, mas continuaram a caminhada. Capixaba correu atrás, provocando, deu uma tapa em cada marinheiro surpreso. Iniciaram uma briga de cinema, dois contra um. Lutaram até cansar. Fazia parte dos treinos para enfrentar Porreta, a Madame Satã das Alagoas, embora fosse baiano..

Finalmente chegou a noite esperada. Os amigos acompanharam os adversários até a Praça Sinimbu. Capixaba ao se aproximar ouviu a provocação: “Prepare-se para levar a maior surra de sua vida”

Retiraram relógio, camisa, sapato, os dois vestidos apenas com calças arregaçadas. Os inúmeros assistentes formaram um círculo deixando os dois lutadores no centro. Aconteceu uma das maiores luta já presenciada nas Alagoas. Nos primeiros movimentos, os adversários ficaram em guarda, estudavam um ao outro; alguns ataques, outras defesas e jogo de pernas. De repente rápidos murros, socos na cara, na barriga, às vezes se atracavam, se soltavam, não havia juiz para separar os lutadores.

Esmurraram-se por mais de uma hora, suavam, sangravam. Estavam cansados. Capixaba distraiu-se em sua guarda, Porreta aproveitou, acertou um soco desconcertante na cara; ele caiu no chão, jorrando sangue pela boca.  A raiva subiu-lhe à cabeça, Capixaba num ímpeto incomum levantou-se com toda garra e força deu uma cabeçada no peito do distraído Porreta que rodou em queda para trás, caiu de costas. Ato contínuo, num pulo de gato, Capixaba montou por cima de Porreta esmurrando-o incessantemente. Retiraram Capixaba de cima de Madame Satã nocauteado, sangrando. Levaram o baiano para o Pronto Socorro, três dentes quebrados. Assim acabou o reinado de Porreta, o homossexual baiano mais macho das Alagoas.

Capixaba há quatro anos também acabou seu reinado nesse mundo. Ao morrer um amigo vai-se um pedaço da gente, vêm as lágrimas, a tristeza. Todo domingo antes do Carnaval, dia dos antigos e animados Banhos de Mar à Fantasia, lembro-me de Capixaba fazendo o passo, traçando tesouras. Acompanhando o Bloco Cavaleiros dos Montes do Rás Gonguila, nos velhos carnavais de Maceió.