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Jocão

19/08/2018
Jocão

O Café Colombo na Rua do Comércio era o ponto de convergência de intelectuais, políticos, artistas, boêmios e outros desocupados, em Maceió nos anos 50.

   Meu pai era um frequentador de fins de tarde. Às vezes levava seus filhos. Sentava à mesa com os amigos, pedia cerveja e mandava servir para nós sanduíche de fiambre e queijo do reino. Eu me deliciava com o pão crocante acompanhado por um gostoso caldo de cana.

 Foi no Café Colombo que conheci Jocão, uma figura que se tornou inesquecível. Alto, moreno, bem apessoado, vestido impecavelmente num paletó branco. Ao entrar se achegava às melhores rodas. Todos gostavam do divertido Jocão. Sempre escolhia uma mesa em que não houvesse possibilidades de ele pagar a conta, arrastava uma cadeira e sentava. Era afamado como o maior mentiroso das Alagoas.

Os amigos logo perguntavam pelas novidades. Era a senha para Jocão, com sua fértil imaginação e como primoroso contador de histórias, iniciar uma fantástica narrativa inventada na hora.
No dia que o conheci fiquei impressionado com sua história narradas com esmero e convicção. Contou ser o maior criador de codorna do Brasil, por sorte.  De sua fazenda exportava codorna e ovo para todo mundo. Tudo começou com uma visita que fez a Pedrinho, coletor estadual de Fernão Velho.

Na hora da despedida Pedrinho embrulhou alguns ovos de codorna num pedaço de jornal e presenteou-o. Jocão colocou o embrulho no bolso do paletó.
Algum tempo depois, Jocão ouviu alguns piados no seu quarto. Investigou de onde vinham aqueles pios parecidos com os de pombos. Quando abriu o guarda-roupa desvendou-se o mistério. No bolso do paletó tinham oito filhotes de codorna nascidos dos ovos, aquele presente de Pedrinho, esquecido no bolso do paletó.   Ele retirou os filhotes, deu de comer pirão de farinha de mandioca. Os bichinhos foram crescendo. Logo depois se reproduziram com tanta rapidez que ele teve de colocá-los em sua fazenda no Carrapato. Agora ele era considerado o maior produtor de codorna do país, talvez do mundo. Tudo por mera sorte.

Depois de contar a mentira, ele se sentia mais à vontade entre os amigos, pedia mais cerveja e tira-gosto. Pagava a conta com suas fantasiosas histórias.
Ele acreditava nas histórias que contava, pelo menos enquanto contava. Certa vez Jocão contou que estava hospedado em um hotel em Arapiraca. Só havia lâmpada no quarto, o banheiro era desprovido de instalação elétrica, nem sequer havia candeeiro. À noite precisou usar o banheiro, como nada enxergava devida a escuridão, resolveu o problema conseguindo com muito cuidado “desenroscar” a lâmpada do quarto e levá-la acesa até o banheiro. Tomou seu banho sossegado.

Jocão se aborrecia quando o chamavam de mentiroso. Certa tarde no Café Colombo pediram para que contasse uma mentira. Ele ficou triste, calado e muito sentido. Logo contou que sua mulher havia falecido. Estava ali para espairecer um pouco e ver se arranjava algum dinheiro. Uma ajuda para o enterro da esposa.

No mesmo instante os boêmios solidários fizeram uma arrecadação. Deram certa quantia para João, que além de embolsar a grana, pegou algumas garrafas de cerveja, um taco de presunto, deixou na conta dos amigos e foi chorar a defunta.

Um bêbado e um garçom foram designados para comparecerem ao enterro da mulher do Jocão no dia seguinte às 10 horas, representando os frequentadores do Café Colombo.

Ao chegar perto da casa de Jocão na Rua Santa Maria, quase esquina com a Rua do Reguinho, os representantes da boemia estranharam a falta de movimento e a falta das cortinas negras nas janelas, como era costume nos enterros saídos das casas do morto.

De repente João apareceu à porta. Eles perguntaram se confirmava a hora do enterro. Para espanto dos visitantes, nosso herói gritou para dentro de casa. “Bastinha, venha ver quem veio para seu enterro”.

E complementou para os dois companheiros: “Vocês não pediram para eu contar uma mentira?”.

Sua mulher apareceu dando uma bela gargalhada e convidou os amigos para uma irrecusável rodada de cerveja com tira-gosto de charque. A alegre “defunta” se divertia com as invencionices de seu marido, o maior mentiroso das Alagoas, depois dos políticos, claro.