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Paul Auster fala sobre ‘4 3 2 1’, seu mais ambicioso romance

09/06/2018

Fazia sete anos que o escritor americano Paul Auster não publicava um romance e, para surpresa do público e da crítica, ele voltou com um tijolo embaixo do braço – 4 3 2 1 soma, na versão física que a Companhia das Letras lança nesta semana, 816 páginas, ou pouco mais de um quilo. “É meu livro mais ambicioso, mais realista, no qual abri mão de truques literários. A novidade está na estrutura”, contou ele ao jornal O Estado de S. Paulo, em entrevista realizada por telefone, desde Nova York.

De fato, 4 3 2 1 (o título é explicado durante a trama e revelar aqui seria um spoiler imperdoável) acompanha a trajetória de Archie Ferguson, desde seu nascimento em 1947 até 1970, quando o romance tem um final que se pode considerar abrupto. Engana-se, porém, quem espera por uma narrativa cronológica – a grande sacada de Auster é de apresentar quatro variantes possíveis da história do protagonista. Na verdade, são quatro caminhos que indicam a riqueza estilística do autor que, aqui, surpreende com frases longas e envolventes.

Apesar dos inúmeros pontos em comum com sua vida, Auster insiste que o livro não é biográfico. Mesmo assim, o ponto de partida foi um fato dramático, que ele vivenciou aos 14 anos. Auster e amigos estavam em um acampamento de verão quando uma tempestade os obrigou a buscar abrigo. Enquanto o garoto à sua frente passava por uma cerca de arame farpado, caiu um raio e o eletrocutou. A proximidade da morte, que podia chegar a qualquer momento, marcou profundamente o futuro escritor.

Outros fatos verídicos ganham destaque na narrativa, como a arte do beisebol ou as recordações em branco e preto dos humoristas dos anos 1950, que acompanhava pela televisão. Finalmente, a descoberta do corpo a partir da amizade permissiva com a menina Andy, que o faz descobrir prazeres sexuais, ou a lembrança de um pai ausente mas empreendedor.

O resultado é uma monumental reflexão sobre a condição do ser humano e o poder do acaso. Com as mortes recentes de Tom Wolfe e Philip Roth, Paul Auster figura no seleto grupo dos grandes romancistas americanos. Na seguinte conversa, ele fala sobre seus pares desaparecidos e sobre seu maravilhamento com o poeta e escritor Stephen Crane (1871-1900), tema de seu próximo livro.

Críticos internacionais apontam 4 3 2 1 como o melhor entre seus 17 romances, graças à ambição da escrita e à estrutura original. O que você planejava para o livro quando começou a escrevê-lo?

Sim, li e ouvi muitos comentários. O que posso dizer é que, de fato, é meu livro de maior fôlego – e saiba que me contive; caso contrário, ultrapassaria as 3 mil páginas. Também é o mais ambicioso, com várias propostas, vários caminhos apontados. Mas não costumo reler minhas publicações, pois gosto de me impor novos desafios a cada novo trabalho.

Mas, nessa história, você retoma – talvez da forma mais alongada – sua obsessão com o poder do inesperado na construção da identidade, certo?

Com certeza. Tudo gira ao redor do “what if…” (“e se…”), do especulativo. Algo que poderia ter acontecido, mas não aconteceu. O inesperado tem de fazer parte da prosa de qualquer romancista. Em meu livro, descrevo quatro caminhos paralelos que o protagonista poderia ter tomado se tivesse optado por certas decisões. Não é fascinante?

Certamente. Aliás, você reforçou muitas vezes de que não se trata de uma autobiografia disfarçada. Mas há muito de Paul Auster nesta história, não?

Sim, os fatos vieram da minha vida, mas não são a minha vida. É um detalhe importante. Não é segredo que todo romancista se inspira em suas experiências, suas memórias e as transforma em arte. E aqui, mesmo que a trajetória de Ferguson corra em paralelo à minha, o que pretendi foi compartilhar minha cronologia e minha geografia. Apenas isso. Até porque esses Fergusons são mais precoces, pois são capazes, quando jovens, de fazer certas coisas que eu não fui capaz quando tinha a mesma idade.

A terrível experiência de presenciar o amigo ser eletrocutado por um raio foi o fator inspirador para a escrita deste livro?

Sim, essa experiência derrubou todas as minhas certezas sobre o mundo. E o fato inspirou duas das quatro versões que compõem o livro. Na primeira, Ferguson morre na tempestade da forma que assisti à tragédia do meu amigo. Na outra, Ferguson é testemunha da morte de uma pessoa. Na verdade, não pensei em relatar exatamente o acidente, mas como aquilo me tocou e me inspirou a olhar de forma diferente para o mundo.

Você falou sobre compartilhar sua geografia. Como isso funciona literariamente?

Minha vida foi marcada pelos lugares onde amadureci. Nasci em Newark, mas, depois do divórcio dos meus pais, não mais voltei para lá. Posso dizer que, entre os 5 e os 12 anos, vivi no Paraíso. Foi quando descobri que estava preso naquele lugar – tinha de escapar. Ao escrever o livro e reviver o passado, percebi que as coisas nos Estados Unidos não mudaram muito nos últimos 50 anos. Muito do que nos angustiava há meio século continua nos incomodando. O que não percebemos – especialmente na década de 1960 – foi a ascensão da direita. Pensávamos que a esquerda ganhava destaque. E, agora, uma vez mais, a direita vem tomando conta do país de uma forma que, há quase dez anos, quando Obama assumiu o poder, não acreditávamos que pudesse acontecer.

Você me obriga, então, a te perguntar sobre o governo Trump…

É verdade (rindo). Quando escrevi o livro, ele ainda não havia sido eleito e nada indicava que isso iria acontecer. Agora, estamos acompanhando um presidente desmontando a América, governando à base de contradições.

Há algumas semanas, a literatura (especialmente a americana) perdeu dois grandes nomes, Tom Wolfe e Philip Roth. Como dimensionar essas lacunas?

De fato, grandes perdas. Eu conhecia Philip mais de perto, posso dizer que fomos amigos, embora não o conhecesse bem. Às vezes, jantávamos juntos, mas trocávamos amenidades. Foi, de fato, um grande escritor e, nos últimos anos, não lutou contra a morte. Não posso dizer que me inspirou quando eu era jovem, não foi um modelo para mim. Mas foi um dos grandes.

E qual seu próximo projeto?

Tenho muitas histórias na cabeça, acho que escreverei um romance. O que me encanta, no momento, são as pesquisas da vida e obra de Stephen Crane. Morreu jovem, mas foi uma pessoa inesquecível, escrevendo jornalismo, ficção, obra infantil. Sua escrita mudou nosso jeito de ver o mundo e a literatura. Penso que será meu assunto no próximo livro de não ficção.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Ubiratan Brasil
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