Variedades

Uma vida entre livros

27/05/2018

Quando José Carlos Honório chegou à Livraria Cultura com a carteira de trabalho na mão, ele tinha 18 anos e era a primeira vez que esse paulistano nascido no Parque São Lucas em 1964 via a Avenida Paulista. Pedro Herz, o filho da fundadora da loja, Eva, atendia o telefone na livraria do Conjunto Nacional – onde hoje é a loja Geek -, pegou o documento do garoto e perguntou se ele podia começar imediatamente. E lá se vão 35 anos daquele dia de abril de 1983 que mudou a vida do ex-aprendiz do Senai que começou a trabalhar na General Motors aos 14 anos e cursava o primeiro ano de Letras na PUC.

Foi ali que ele aprendeu tudo o que sabe sobre livros, mas não foi ali, porém, que Honório se apaixonou pela literatura. Filho de pai guarda-noturno e mãe dona de casa, ele descobriu o prazer da leitura sozinho. Lembra que o primeiro livro que leu foi Éramos Seis, de Maria José Dupré. E não parou mais. “Não consigo me ver sem livro. O livro é meu escudo”, comenta.

“Éramos pobres, mas eu não precisava ajudar em casa. Então, com o meu primeiro salário, fiquei sócio do Círculo do Livro. E na saída da GM passava na Livraria e Papelaria Ao Carioca, em São Caetano”, conta o mais antigo vendedor da Livraria Cultura no café da loja onde se sente em casa e para onde volta, nas manhãs de segunda, para dar expediente como comprador de livros de arte, e quase todos os dias para dar uma olhadinha.

Há três anos ele deixou de trabalhar lá todos os dias, das 9h às 18h, para se dedicar mais ao consultório de psicanálise, que fica ali mesmo no Conjunto Nacional, e para ter tempo de pensar em coisas novas.

Honório, que ficou conhecido como o livreiro dos famosos – ele fazia questão de atender escritores e atores que frequentavam a Cultura e, em alguns casos chegava a mandar para a casa deles alguns lançamentos especialmente selecionados para que escolhessem as próximas leituras – teve, sim, uma nova ideia nesse período mais livre.

Num dos mais sombrios momentos do mercado editorial, que registra queda de 20% em faturamento e volume, ele está abrindo uma editora. “Há 35 anos trabalho na Cultura e o mercado sempre esteve em crise. Não me assusta não, de verdade, não me assusta”, diz.

Honório cita Neruda – “Continuo acreditando na possibilidade do amor” – e emenda: “Pois eu continuo acreditando na possibilidade de as pessoas lerem. De buscarem um livro. De verdade, eu não vejo crise”.

A Humana Letra acaba de lançar seu primeiro livro – Moedor de Carne, do arquiteto Eduardo Lisboa. O próximo, Fora do Centro, do psicanalista e filósofo Eduardo Leonel, está previsto para a primeira quinzena de junho. A aposta da editora é em novos nomes – e a quantidade de bons originais que já recebeu espanta o livreiro e leitor voraz que agora está aprendendo os pormenores da feitura de um livro. “Penei no primeiro”, reconhece.

Essa é a segunda tentativa de José Honório criar uma editora. Em 1992, depois de sua primeira viagem ao exterior, quando se deparou com uma variedade de literatura LGBT que não era encontrada no Brasil, ele fundou a Transviatta. Chegou a publicar dois livros: Antologia do Conto Gay Brasileiro, com textos de Caio Fernando Abreu, João Silvério Trevisan e outros autores, e O Mar É Tarde Demais, dele mesmo. “Eu trabalhava todos os dias numa carga pauleira e não dei conta de ficar lendo os originais e editando. Acabei desistindo”, conta.

Com mais tempo para se dedicar à Humana Letra, ele já fechou o cronograma de 2018 e explica que ela terá cinco áreas de atuação: literatura, poesia, psicanálise, teoria da arte e ocultismo. Todos assuntos que o interessam particularmente. Mas ele não quer ficar preso a isso. “Se me chegar um infantojuvenil, um livro de culinária bem bacana e eu gostar, vou pelo meu feeling”, diz.

Na verdade, já chegou uma saga juvenil. “O livro tem um traço melancólico, morte, o duelo de força entre o bem e o mal, que me interessa, e tem uma alma.”

Honório não está preocupado se há espaço para tanto livro. O que o assusta é a relação das pessoas com seus telefones. “Tirar a atenção do jovem do celular para que ele mergulhe num livro enquanto objeto físico mesmo é um pouco complicado.” Para aprofundar sua resposta, diz que vai recorrer à psicanálise: “Quando o problema é seu, o problema é seu e você tenta resolver. Quando o problema é do outro, o outro que resolva. Isso se aplica a essa história. Eu estou abrindo uma editora e acredito nela. Estou fazendo a minha parte. Se alguém receber, bacana. Se não receber, o problema é do outro. Mas eu continuo achando que tem leitor sim”.

Poeta prestes a lançar seu 7º livro, A Paciência da Fruta, pela Laranja Original, ele diz que não busca muita coisa na literatura e que ela ajuda mais quem lê do que quem escreve. “Você pode ficar melhor, mas a escrita não é terapêutica. Quando um paciente vem no consultório e quer uma cura, eu falo que ele está no lugar errado. Não existe cura. Ele pode aliviar o sintoma, como a literatura pode aliviar para o escritor. Ele escreve e se sente esvaído daquilo e ok. Mas vai voltar.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Maria Fernanda Rodrigues
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