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No Brasil, obra de Philip Roth tem boa circulação mas poucos estudos acadêmicos
A editora Companhia das Letras – que publica a obra de Philip Roth no Brasil desde os anos 1990 -planeja para julho de 2018 uma nova edição do romance Quando Ela Era Boa (When She Was Good). O livro foi publicado pela editora Expressão e Cultura em 1972, com o título As Melhores Intenções, e está esgotado desde então. Um exemplar do livro na Estante Virtual chega a custar
R$ 250.
A tradução é de Jorio Dauster, que também verteu ao português pelo menos outros seis livros do autor.
“É o único livro dele com uma protagonista mulher e que não tem judeu no páreo”, diz Dauster, por telefone. “São americanos wasp, e a mulher protagonista é inspirada na primeira esposa de Roth.” Ele fala de Maggie Williams.
No livro Roth Libertado, uma biografia crítica do autor, Claudia Roth Pierpont escreve: “A união de Philip Roth e Maggie Williams talvez tenha sido o casamento literário mais dolorosamente destrutivo e mais duradouramente influente desde Scott e Zelda”.
Eles ficaram cerca de três anos juntos, mas o relacionamento envolveu diversas separações amargas, perseguições desagradáveis, manipulações, e uma mentira fundamental: Maggie forjou um exame de gravidez para forçar Roth a se casar com ela. Mas essa história, Roth conta em Os Fatos, publicado mais de 30 anos depois.
Dauster explica então que em Quando Ela Era Boa, Roth inicia uma investigação sobre as possíveis raízes de uma mulher como essa.
“Para um sujeito que escreveu como ele, com obras como Pastoral Americana e A Marca Humana, não tenha dúvida de que esse livro não é uma cordilheira. Mas continua a ser uma belíssima montanha”, avalia o tradutor.
Para ele, a obra de Roth encontra tanta ressonância fora da América da Norte porque ele consegue misturar comicidade com uma reflexão brutal sobre a fragilidade humana. “Ele tinha uma força vital além da conta. Ele conseguia se perguntar: o que é o ser humano diante da falibilidade humana?”
Paulo Henriques Britto, outro tradutor de diversas obras de Roth (como O Complexo de Portnoy), acredita que Roth é o “Balzac da geração dele”.
“Os temas dele não tem a ver com ser americano ou judeu. São temas universais, pai, família, comunidade. Tem esse lado de ser um grande cronista da vida americana, livros com um sentido histórico muito importante. Mexer com a história dos EUA também tem caráter universal”, analisa.
Ambos acreditam que Roth está num patamar alcançado por muitos poucos autores americanos. A comparação mais comum é com Saul Bellow e John Updike, embora para Britto mesmo Updike permanece mais preso no tempo.
“O Roth ousa mais, ele era excessivo, enfrentou a fúria da comunidade judaica. O cara era muito corajoso, ele se coloca numa posição muito desconfortável. Quando ele escreve A Marca Humana, coloca o ponto de vista de um professor negro, ele nunca se preocupou, dizia coisas desagradáveis, isso acho admirável”, diz o tradutor, professor e poeta, autor de Formas do Nada.
Philip Roth na academia brasileira
Embora a circulação de Roth nas livrarias esteja garantida por uma editora de grande porte, a produção acadêmica sobre sua obra no Brasil ainda é reduzida. São raras as teses e dissertações de mestrado que levam seu nome no título.
A tradutora e escritora Isadora Sinay – doutorando em literatura judaica pela USP, no programa de pós-gradução em estudos judaicos da Universidade, com um trabalho sobre Philip Roth – aponta duas possíveis causas.
Pelos caminhos naturais da organização acadêmica, os centros de estudos judaicos das universidades se organizaram mais em torno da literatura hebraica. “Pouca gente mexe no campo de estudo dele”, diz Sinay.
Pode existir também uma percepção de que ele não seria um autor tão sério. “Talvez exista maior contato com livros mais polêmicos, ligados ao sexo, meio pornografia, como O Complexo de Portnoy”, diz.
Fora do Brasil, porém, a atividade acadêmica em torno da obra dele é exaustiva. Segundo a pesquisadora, são pelo menos 30 artigos acadêmicos por ano, além de livros e da própria Philip Roth Studies, uma publicação periódica da Universidade Purdue em parceria com a Philip Roth Society.
“O grande feito dele para a literatura judaica é em parte isto: ele transpõe discussões específicas da comunidade para um público amplo. Penso em Portnoy e me pergunto ‘como as pessoas entendem?’ É um choque”, afirma.
Ela estuda a relação da obra de Roth com o Holocausto. “É um escritor que não tem uma conexão direta, não tem conexão familiar. Ao mesmo tempo, o Holocausto é uma pedra fundamental da identidade judaica. É muito difícil não estabelecer uma conexão com a memória. A ideia é investigar as fronteiras entre história pessoal e identidade coletiva na obra dele.”
Sinay também comenta outro aspecto que marcou a carreira de Roth, especialmente nas primeiras décadas da segunda metade do século 20: as frequentes acusações de misoginia que recebeu.
“A separação entre ele e os personagens ficou mais clara quando ele ficou mais velho”, explica. “Mas mesmo antes, ele incorpora essa confusão como mecanismo literário. Um livro como Operação Shylock é inteiramente sobre confundir o leitor. Além disso, com o tempo, a discussão feminista fica mais forte no público e nos estudos. O Roth fala frequentemente de uma masculinidade que está, sim, em hostilidade com as mulheres, mas ele é muito psicológico para derivar que daí estamos falando de misoginia.”
Autor: Guilherme Sobota
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