Variedades
Em romance experimental, autor atualiza o mito de Fausto
Na primeira cena de Identidades, de Felipe Franco Munhoz – o segundo livro do jovem escritor paulistano, depois de Mentiras (2016), ambos publicados pela editora Nós -, uma rubrica teatral coloca em cena o Suposto Mefistófeles. Ele entra em um quarto comum urbano: estante de livros, escrivaninha, papéis espalhados. A diferença é um pianista, acomodado no canto do palco, que executa a Sonata para Piano N.º 17 de Beethoven. O personagem tem problemas na perna direita, elemento autobiográfico que Munhoz incorpora ao texto. Mas o leitor se engana ao pensar que está diante de mais um romance autoficcional de um escritor urbano de São Paulo. Identidades é uma experiência radical com a linguagem, que mistura rubricas teatrais com poemas narrativos, construções concretas de sinais de pontuação, partituras, versos escritos ao contrário e referências que vão do castelo de Kafka às vozes de Joe Strummer e Milton Nascimento.
“Escrevi pensando em construir um closet drama, uma peça de teatro para ser lida, como é o Fausto, de Goethe”, explica o autor. “Contudo, elementos que foram surgindo no processo de carpintaria – as várias identidades narrativas dentro do livro – talvez tenham conduzido o resultado final para uma esfera diferente. Talvez a página transforme-se em palco: é o ringue, a casa, o hospício dos personagens que amam, sonham e morrem ali.”
Uma leitura possível do livro, que se propõe a derrubar o próprio conceito de leitura tradicional, misturando elementos modernos e pós-modernos de narrativas, é justamente essa atualização e urbanização do mito de Fausto – que, no livro, “é mulher, mas em trajes – e corte de cabelo – semimasculinos”. Os dois personagens se encontram num vagão do metrô.
“Além do suposto pacto fáustico, há um pacto (implícito) que se trava, logo no início, com o leitor”, propõe Munhoz. “Não é um texto que intenta reproduzir a vida; e não é um texto que intenta, nas falas, reproduzir a linguagem oral – cada personagem tem a sua voz, mas a voz necessária para compor essa ficção específica, a voz que imprime o tom do resultado estético almejado.”
Munhoz já vem apresentando partes do texto em performances em eventos. “Com um pé no poema e outro no palco”, ele pretende ainda dar continuidade ao projeto Identidade Quinze Minutos (inspirado em Tom Stoppard), uma encenação cronometrada do livro – no palco.
O livro tem lançamento nesta quinta-feira, 17, na Livraria da Vila (R. Fradique Coutinho, 915), em São Paulo, às 19h.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: Guilherme Sabota
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