Variedades
Jack White se transforma de novo e lança disco gravado com músicos de hip-hop
“Sabe…”, Jack White inicia a frase, mas prefere inspirar profundamente antes de seguir seu raciocínio. O norte-americano é conhecido por ser o oposto dos artistas que têm seus pensamentos freados por treinamentos exaustivos de imprensa. Há ali desejo e saudade reais, expressos na pausa alongada. “Seria ótimo voltar a fazer esses shows menores. Sair em turnê e tocar em um bar para 15 pessoas…”
Para sentir o mesmo, White deveria inventar uma forma de voltar no tempo, ao período no qual, ao lado de Meg White, frequentava a cena de garage rock de Detroit do fim dos anos 1990, e ninguém sabia quem eram aqueles dois que só vestiam branco, preto e vermelho. Atualmente, o dono de 12 gramofones do Grammy se apresenta em estádios e grandes arenas – na última passagem pelo Brasil, por exemplo, White foi responsável pelo encerramento de uma das noites do Lollapalooza 2015, no mesmo patamar que o artista pop Pharrell Williams, na época, estourado nas rádios com músicas como Get Lucky e Happy.
“Existem dois tipos de artista”, avalia White, “um deles é como Freddie Mercury, que parece ter nascido para as multidões.” Ele cita a apresentação do Queen no festival Live Aid, no Estádio Wembley, diante de 72 mil pessoas. “E há outros artistas, grupo no qual eu me incluo, que não são bons nisso. É um sentimento claustrofóbico, para mim, estar em um show gigantesco desse. Quando me apresento em um clube pequeno, eu percebo que é dali que eu vim. Eu consigo respirar o mesmo ar que as pessoas.”
Daquela geração de artistas que reviveram o garage rock dos anos 1970, que existiu antes do punk se espalhar por Nova York e Londres, White é disparadamente o mais bem-sucedido. E inverte seu próprio jogo sempre que pode, reinventa a si mesmo, cria uma nova paleta de cores para seus projetos. É sempre um novo White em seus discos.
Como artista solo, ele lança seu terceiro álbum, Boarding House Reach, nesta sexta-feira, 23 – dia de início do Lollapalooza Brasil 2018, aliás, informação essa recebida com um jocoso “poxa, deveria ter consultado você antes de programar o lançamento do meu disco”.
É possível notar cada projeto de White – o White Stripes, o Dead Weather (com integrantes do The Kills e Queens of the Stone Age) e o Raconteurs (uma colaboração com Brendan Benson) – entrega canções esteticamente diferentes do anterior. Na carreira solo tardiamente com o álbum Blunderbuss, somente lançado em 2012, e seguido por Lazaretto, de 2014, por sua vez, White expunha suas raízes no country e na origem do rock e do blues, reafirmando-se na lista dos grandes guitarristas da história – algo indicado no documentário A Todo Volume, que reunia músicos da guitarra de três diferentes gerações, Jimmy Page (Led Zeppelin), The Edge (U2) e White.
Para Boarding House Reach, contudo, ele saltou de dois extremos em um. O projeto nasceu com o registro de algumas canções em gravador de quatro canais que White ganhou quando tinha 15 anos. “Como compositor, eu sempre tento chegar a um resultado que nunca havia encontrado antes”, explica White, para justificar o início do processo do disco. “Não quero que seja prazeroso, que seja fácil. As boas ideias nascem de tentar superar esses obstáculos”, ele diz.
Do simples e cru, ele saltou para o completo: depois de gravar as bases em um apartamento minúsculo alugado em Nashville, no Tennessee, local da sede da gravadora e empresa de White, chamada Third Man Records, ele viajou a Los Angeles e Nova York, onde encarou sessões intensas, por três dias, com músicos com os quais ele jamais havia tocado antes, nomes acostumados com o pop, R&B e rap. A lista de presença do disco inclui a bateria de Louis Cato (que tocou com Beyoncé, John Legend, Mariah Carey), o baixo de Neon Phoenix (Kanye West e Jay-Z), os sintetizadores de DJ Harrison e de Anthony Brewster (The Untouchables), entre tantos outros.
White voltou para a casa com canções que, até então, eram pirações de improviso muitas vezes de mais de três horas de duração. “Recortar essas músicas e transformá-las em algo de 3 minutos era necessário, porque as pessoas precisavam se relacionar com essas canções.” O resultado disso é que Boarding House Reach é o disco mais “fora da caixinha” de Jack White, com pouquíssimos momentos pop e facilmente palatáveis, como o single Connected by Love e o electro-country Whats Done Is Done. De resto, prepare-se para mergulhar em um universo sortido esteticamente. “O que eu penso é: Robert Plant pode muito bem contratar alguns músicos e soar exatamente como era com o Led Zeppelin. Acontece que ele não quer mais isso. Por outro lado, eu amo os Rolling Stones, mas adoraria que ele tentassem fazer algo novo”, explica.
Ao criar obstáculos cada vez mais altos para manter o frescor na composição, White entrega, aos 42 anos, o seu disco mais ousado desde a estreia com o White Stripes. E ensina que o “impossível” é só uma barreira a mais – por isso, é possível até que ele faça os “tais shows para 15 pessoas em bares nos quais ninguém saiba quem ele é”, disfarçado, de peruca e tudo. Jamais saberemos. Nunca duvide de Jack White.
JACK WHITE
Boarding House Reach
Sony Music; Plataformas digitais
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: Pedro Antunes
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