Variedades
França e Itália esquentam Berlim
Custou a aparecer um filme com vigor estético à altura do Urso de Ouro na 68ª edição do Festival de Berlim. Um unânime sentimento de que a programação da mostra competitiva de 2018 é uma das mais sem sal dos últimos anos contagiou a cidade até domingo, quando um par de filmes – La Prière, do francês Cédric Kahn, e Figlia Mia, da italiana Laura Bispuri – mudou o prognóstico do evento, alimentando sorrisos cinéfilos por todos os cantos da capital alemã. O primeiro evoca Truffaut, e lembra muito Os Incompreendidos (1959), com seu olhar sobre um grupo jovem católico para ex-dependentes químicos. O segundo, antenadíssimo com a pauta da sororidade e do empoderamento feminino, fez as atrizes Valeria Golino e Alba Rohrwacher serem comparadas a Ana Magnani e Giulietta Masina. Nos dois casos, a analogia é merecida.
“O cinema precisa de tomadas de posição para avançar: eu escolhi falar de mulheres, mas inclui figuras masculinas de respeito”, disse Laura em resposta ao Estado, na coletiva de imprensa mais carregada de elogios do evento, inaugurado no último dia 15 com a animação Ilha de Cachorros, de Wes Anderson.
Figlia Mia desbrava as belezas da Sardenha seguindo os passos de uma menina de dez anos dividida entre duas figuras maternas: a equilibrada Tina (papel de Valeria Golino, numa inspirada atuação) e a borracha Angélica (vivida por Alba). Já La Prière esbanja rigor numa investigação sobre solidão e autodescoberta a partir dos passos de Thomas (Anthony Bajon) para trocar as drogas por Deus, num retiro juvenil. “Esta é uma história sobre humildade”, disse Kahn, favorito ao prêmio de direção até agora.
Até ele e Laura aparecerem, o único filme a agradar toda a crítica era a coprodução sul-americana Las Herederas, rodada em Assunção pelo paraguaio Marcelo Martinessi, um estreante em longas-metragens. O drama LGBT sobre a mudança de rotina da sexagenária (ou quase isso) Chela (Ana Brun) após a prisão de sua companheira encantou Berlim pela delicadeza com que o cineasta fala sobre homoafetividade, problemas financeiros da terceira idade e luta de classes, sem descuidar do refinamento formal dos planos. Depois de Hamaca Paraguaya (2006) e 7 Caixas (2012), este é o mais aclamado filme do Paraguai em décadas, tendo a cineasta carioca Julia Murat como uma de suas produtoras.
Do bonde de doze produções dirigidas por brasileiros em exibição na Berlinale, dois documentários ganharam um boca a boca caloroso. De um lado, está Aeroporto Central, ensaio poético do cearense Karim Aïnouz sobre um abrigo de refugiados. Do outro, vem Ex-Pajé, uma investigação de Luiz Bolognesi sobre o etnocídio indígena.
“Tem uma coisa em comum entre Berlim e o cinema brasileiro que justifica tanto interesse aqui pelos nossos filmes: os berlinenses, assim como a gente, estão sempre procurando expressar sua identidade, que muda muito, pois a cidade vive em mutação desde a 2ª Guerra”, disse Karim.
Um evento em especial roubou a cena da Berlinale neste fim de semana: uma concentração de espectadores asiáticos, a maioria da China, com um ardor de torcida organizada, fez fila no Friedrichstadt Palast para aplaudir a continuação de um dos maiores blockbusters do Oriente: Monster Hunt. O primeiro filme da franquia, de 2015, faturou US$ 385 milhões só em território chinês. Na sequência, o monstrinho Wuba conta com a ajuda de um trambiqueiro (Tony Leung, de Amor à Flor da Pele) para escapar de caçadores de criaturas mágicas.
Está marcado para hoje (segunda), às 22h, no Berlinale Palast, o que promete ser o evento mais polêmico do festival este ano: a exibição de 7 Dias em Entebbe, thriller em que o carioca José Padilha expõe seu olhar sobre o conflito entre Israel e Palestina a partir do sequestro de um avião tripulado da Air France, saindo de Tel Aviv para Paris, em 1976.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: Rodrigo Fonseca
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