Política

Engajado na defesa de Temer, Itamaraty sofre um revés atrás do outro

03/06/2017
Engajado na defesa de Temer, Itamaraty sofre um revés atrás do outro
Presidente Michel Temer (Foto: Beto Barata/PR)

Presidente Michel Temer (Foto: Beto Barata/PR)

Enquanto setores do seu partido, o PSDB, já discutem o desembarque do governo de Michel Temer, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, resiste na defesa de seu chefe e, por isso, agora encara críticas também dentro de casa.

Mais de 150 servidoras e servidores do Itamaraty se posicionaram publicamente para que “as forças políticas do país, organizadas em partidos ou não, exercitem o diálogo” e repudiando “o uso da força para reprimir ou inibir manifestações.”

A nota pública vem numa sequência de atropelos promovidos pelo órgão. O primeiro deles foi a resposta feroz a um comunicado emitido na sexta-feira 26 por dois organismos internacionais da área de direitos humanos, ambos condenando a violenta repressão ao protesto contra Michel Temer e a favor de novas eleições, realizado dias antes, em Brasília.

A nota deixou gente boquiaberta no Itamaraty, pela linguagem nada diplomática. Mais: ataca uma entidade na qual o Brasil tenta arranjar uma vaga para a secretária Nacional de Direitos Humanos, Flávia Piovesan na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Jeito de tiro no pé.

De quebra, a furiosa reação expõe uma situação curiosa. O ministro critica dia-e-noite a Venezuela, ataca o governo de Nicolás Maduro quando há repressão em marchas da oposição e defende antecipar as eleições por lá, como querem os inimigos do chavismo. Incoerência? Não. Partidarismo.

Em sua posse, o tucano mostrou ter a visão de que assuntos internacionais estão atrelados à disputa política nacional. “Cada vez mais o tema da política externa está presente nos debates sobre a nossa política interna”, disse, ao afirmar que há “inseparabilidade” entre eles. Tradução exemplificada: se é possível atrair votos de eleitores brasileiros falando mal da Venezuela, pau no vizinho.

As bofetadas da chancelaria na sexta 26 atingiram o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) e a CIDH, repartição vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA). As entidades cobraram do Brasil que não deixe repetir a violência contra a manifestação anti-Temer e por Diretas Já.

O assunto voltou à pauta nesta semana, na quarta-feira 31, quando o Comitê Brasileirode Direitos Humanos e Política Externa e mais 54 organizações emitiram documento considerando “gravíssima e destemperada” a atitude do governo brasileiro em relação ao comunicado da CIDH e da ACNUDH.

“A linguagem desrespeitosa e agressiva adotada pelo Itamaraty se distancia demasiadamente da postura que se espera de um país membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU e que se diz comprometido com a proteção internacional dos direitos humanos. Ao dirigir-se de forma a menosprezar e questionar a boa-fé da CIDH e do ACNUDH, o governo de Michel Temer demonstra preocupante desconsideração com dois dos principais organismos internacionais e regionais de direitos humanos que se dedicam ao tema”, segue o texto.

A nota das entidades também menciona a violência no campo, destacando a chacina de dez trabalhadores rurais na cidade de Pau D’Arco, no Pará, e a operação realizada na região do centro de São Paulo conhecida como Cracolândia.

 O Ministério das Relações Exteriores reagiu imediatamente às críticas através de uma nota à imprensa em que “repudia, nos mais fortes termos, o teor desinformado e tendencioso” do comunicado conjunto e qualifica a posição dos dois órgãos como “leviana” e “fantasiosa”, em tom pouco usual para diplomacia brasileira.

A indignação dos servidores ganhou um ingrediente a mais. Circula por Brasília um documento em que o deputado federal Danilo Forte (PSB-CE) pede que Aloysio Nunes transfira para a embaixada brasileira em Londres dois diplomatas alocados na Câmara dos Deputados como terceiros-secretários, um em missão permanente e outro em missão temporária.

O fato incomodou profundamente os servidores do Itamaraty, já que o processo de remoção de diplomatas é a coluna vertebral da carreira, profundamente pautada pelas promoções para o exterior. Trata-se do Legislativo interferindo num procedimento interno administrativo.

O “fogo amigo” não parou por aí. Um documento da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência apresentado na quinta-feira 1, de acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, afirma que o Brasil carece de uma “grande estratégia”. De acordo com o documento do próprio governo, a política externa fracassou nos governos FHC, Lula, Dilma e é apenas “agenda pontual” no de Michel Temer.

O último capítulo, por enquanto, do aumento da tensão no Itamaraty foram as declarações do mandatário da pasta nos Estados Unidos na sexta-feira 2. Após participar de uma reunião com o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, ele afirmou que o “PSDB não é madame Bovary”, em referência à personagem Gustave Flaubert que, insatisfeita com o casamento, decide trair o marido. A declaração mostra que a prioridade do ministro são as relações partidárias e não necessariamente as exteriores.

A pressão cresce e o partidarismo de Nunes Ferreira está sendo testado. A ala paulista do tucanato, força importante do PSDB e da qual o ministro faz parte, articula o desembarque de forma mais firme. Preocupado, Temer pediu reunião urgente com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB-SP) para as 22h de sexta-feira 2.A ideia é articular. Sob o argumento de que o PSDB precisa ouvir suas bases a respeito de como se posicionar em relação ao governo Michel Temer, o deputado estadual Pedro Tobias, presidente do diretório paulista da sigla, convocou colegas da Assembleia Legislativa, prefeitos, dirigentes partidários e vereadores tucanos de todo o Estado de São Paulo para um encontro que vem sendo chamado de “super reunião ampliada” de avaliação. O objetivo é discutir a conjuntura nacional e colocar em votação se o partido deve desembarcar do governo. A reunião está marcada para a segunda-feira 5.