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Ministro da Educação vai à Justiça contra projeto de Ricardo Nezinho

04/05/2016
Ministro da Educação vai à Justiça contra projeto de Ricardo Nezinho
Aloizio Mercadante disse que o MEC vai entrar na Justiça contra projetos (Foto: Agência Brasil)

Aloizio Mercadante disse que o MEC vai entrar na Justiça para impedir sanções de leis que coloquem em risco a liberdade de expressão e o ensino da diversidade em sala de aula. (Foto: Agência Brasil)

O ministro da Educação Aloizio Mercadante afirmou que o Ministério da Educação vai entrar na Justiça para impedir a sanção de leis, locais ou federais, que coloquem em risco a liberdade de expressão e o ensino da diversidade em sala de aula.

“A Constituição Brasileira tem um princípio básico no artigo 206 que é a liberdade de ensinar e aprender. Você não pode impedir um docente de ter opinião sobre o que quer que seja. O que você tem que buscar, sempre, é que o professor tenha uma formação que assegure a pluralidade de ideias, de reflexões de mundo. É importante expor que há várias correntes, mas sempre a partir da liberdade”, declarou o ministro.

Como exemplo das iniciativas que confrontariam esse princípio constitucional, o ministro citou o projeto “Escola Livre”, projeto do deputado estadual Ricardo Nezinho, aprovado pela Assembleia Legislativa de Alagoas no fim de abril. O texto impede professores da rede pública de emitirem opiniões que possam ferir a “neutralidade política, ideológica e religiosa”. Até a noite de ontem (3), o projeto ainda não sido promulgado ou vetado pelo governador do estado, Renan Filho.

“O MEC vai recorrer, já encaminhamos à AGU [Advocacia-Geral da União] para que o governo possa demandar uma ação de inconstitucionalidade. Não podemos voltar ao tempo da Inquisição, em que Galileu Galilei foi queimado porque achava que a Terra era redonda, e a ‘Fé’ não [achava]”, disse. A Secretaria Estadual de Alagoas também já anunciou que deverá contestar na Justiça o projeto aprovado.

Além de Alagoas, pelo menos quatro estados (SP, GO, RJ e RS) e o Distrito Federal também têm projetos semelhantes em tramitação. Os textos fazem coro aos ideais da “Associação Escola Sem Partido”, grupo liderado pelo advogado Miguel Nagib e que se apresenta como movimento de pais e estudantes.

Mercadante também denunciou uma “ação orquestrada” que, segundo ele, está ameaçando professores com supostos requerimentos extrajudiciais. Os documentos afirmam que o docente pode ser multado em até R$ 30 mil se fizer referência a questões de gênero e sexualidade durante a aula. O ministro reforçou que essa informação é falsa e que não há risco de essa multa ser aplicada, de fato.

“Não tem nenhuma eficácia jurídica, mas a representação é uma forma de intimidar os professores. Quanto mais próximo o pai estiver da escola, melhor. Há reuniões de pais e mestres, ele tem total direito de discutir a formação do filho, especialmente em temas sensíveis. Mas, não é com censura prévia que vamos construir uma boa prática em sala de aula.”

Manifestações políticas

Mercadante aproveitou a coletiva para contestar, publicamente, recomendações e decisões judiciais emitidas em abril que tentavam restringir a realização de atos e discussões sobre o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff em universidades. Em Minas Gerais, uma juíza chegou a proibir uma reunião do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da UFMG sobre o tema. A decisão era provisória e foi suspensa, dias depois.

Em Goiás, o Ministério Público Federal emitiu recomendação a órgãos e autarquias federais instaladas no estado pedindo a proibição de qualquer ato relacionado ao tema, com posição favorável ou contrária. O ministro da Educação não citou os casos com detalhes, mas se referiu a eles como “ações que tentam impedir debates sobre impeachment e golpe nas universidades”.

“A autonomia universitária é um princípio secular e tem que ser respeitado. Que todas as correntes existam na universidade, todas as dimensões da cidadania. Você não pode impedir o debate, um ato contra ou a favor do impeachment, é fundamental que eles possam acontecer. Nem na ditadura, impediu-se o debate. Acho que não vai prosperar, mas o MEC está reagindo para garantir a liberdade de expressão”, disse.

Base Nacional Curricular

Na coletiva, Aloizio Mercadante disse que os temas ligados à identidade sexual são “indispensáveis” e serão mantidos até a versão definitiva da Base Nacional Curricular.” A segunda versão do documento foi apresentada ontem (3), em Brasília. Em fase de elaboração, ele vai definir os conteúdos básicos a serem ensinados em cada disciplina, para cada etapa da educação básica.

Além das diretrizes específicas para disciplinas como português, matemática e história, a proposta inclui uma categoria chamada “temas integradores”, composta por assuntos interdisciplinares.

“Nós temos 58 milhões de estudantes no Brasil. Mesmo que alguns não queiram, algumas crianças têm pai e mãe, outras são filhas de pais separados, outras são criadas pelos parentes, outras vivem em orfanatos e outras são criadas por pais e mães homoafetivos. Nós temos jovens com distintas orientações sexuais. É indispensável que a gente respeite as posições ideológicas e religiosas, mas a escola tem que ser tolerante, respeitar a diversidade”, disse.

Em 2015, 280 estudantes transexuais puderam usar o nome social como identificação nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em vez do nome de registro. A permissão foi citada pelo ministro da Educação como exemplo de avanço nas políticas de diversidade. O desafio agora, segundo ele, é levar o mesmo acolhimento para cada escola.

“No Enem, a gente incorporou essa medida a partir de uma matéria do G1. Era uma jovem de 17 anos que se dizia constrangida por usar o nome de registro. ‘Eu queria que respeitassem’, disse. Aquilo nos sensibilizou. A escola tem que saber lidar com um casal homoafetivo em sala de aula. É só andar pelas escolas do Brasil para saber quantos alunos vão embora chorando, diariamente, constrangidos porque não conseguem lidar com isso.”

Secretário de Educação de Alagoas, Luciano Barbosa, diz que Projeto Escola Livre e impraticável

Em carta aberta à sociedade, gestor destacou que escola não pode ser “uma bolha isolada da sociedade” e que medidas legais serão tomadas para garantir liberdade de expressão.

U​ma lei inócua

Por uns chamado de “Escola Livre”, por outros chamado de “Lei da Mordaça”, o Projeto de Lei 69/2015 foi o centro do debate político na sociedade alagoana durante os últimos dias.

Alvo de ataques ferozes dos descontentes e de igual defesa ferrenha pelos que por ela pugnam, a lei foi discutida com tanto barulho que poucos se deram ao trabalho de ler cada artigo pois preferiram o calor do debate.

Ao ler os artigos atentamente, basta refletir um pouco para saber que ela é impraticável. A lei pressupõe uma sociedade onde as pessoas são insípidas. Uma sociedade sem sabor. Uma tradução infeliz da música “Another Brick in the Wall”, do Pink Floyd.

Nós nos formamos pela vida. E a vida é multifacetada. A escola, que se pretende inodora, é parte dessa vida em sociedade, com todas as virtudes e defeitos.

O arco-íris de ideias que permeia a nossa sociedade penetra indubitavelmente nas frestas abertas de nossas unidades de ensino. Nossa escola não é incolor, nem nunca será. Tudo, em maior ou menor grau, que está presente em nossa comunidade, estará sempre presente em nossas salas de aula. E na vida encontramos todas as tendências sobre todas as coisas que nos rodeiam.

Quem entra na sala de aula para ensinar não é um robô. É um ser humano formado não apenas pela educação formal, mas também pela vida. Cada professor carrega sobre seus ombros a herança de seu próprio passado, com suas crenças e convicções. É uma ilusão querer supor, mesmo por força de lei, que a escola adquira a assepsia pretendida. É impossível exigir esse nível de neutralidade nas pessoas. A escola será tão mais neutra quanto mais estiverem presentes professores livres para dizer o que pensam.

Portanto, na escola, com lei ou sem lei, todas as tendências presentes na sociedade aparecerão independentemente da nossa vontade. Na ciência social, o laboratório é a vida. Na ciência social, nossas teses não podem ser aferidas em laboratórios isolados, em condições premeditadas para que os cálculos saiam sem interferências de externalidades inconvenientes.

A escola jamais se prestará a ser uma bolha isolada da sociedade. Logo, por mais que se queira dizer o contrário, na prática, essa lei não funciona.

Essa lei não deveria existir, mas já que existe, vamos à justiça para garantir a liberdade de expressão, condição sem a qual não existirá escola verdadeiramente livre.

Nem eu, nem nenhum secretário de estado será capaz de pô-la em prática. E quem pretender só vai cometer injustiças em meio a uma série de trapalhadas. Não tem como pôr em prática uma lei para criar uma educação insípida, inodora e incolor. Essa lei é inócua. Simples assim.