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O Trem das Alagoas

06/03/2016
O Trem das Alagoas

No longínquo ano da graça de 1956, ainda menino, havia me submetido ao difícil exame para Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza.  Em noite de festa de rua, Praça Sinimbu, Jarbas Bagdá deu-me a notícia mostrando  o jornal, O Globo do Rio, meu nome entre os aprovados, era a glória.  Corri, desembestado, dar a notícia em casa. Dona Zeca improvisou maior festa até altas horas da noite, amigos e parentes, bebidas e comidas. Final de festa atravessei a Avenida da Paz, andei pela praia, garrafa de vinho numa mão, sapatos na outra. A lua iluminava a imensidão do mar. Pensava, me perguntava, ”O quê será?”.

Retornei, sentei-me no parapeito do coreto, olhando para o infinito, não sei de felicidade ou tristeza, chorei como menino.  Naquele momento estava deixando de ser menino. Ser menino foi a passagem  extraordinariamente mais bela de minha vida.  Amanheceu o dia, dei o último gole, entre feliz e bêbado fui dormir.

O Exército deu a viagem para Fortaleza em duas etapas, de Maceió ao Recife de trem, e do Recife à Fortaleza, via marítima. Numa madrugada de março, deixando minha mãe chorosa, meu pai levou-me à bela Estação Ferroviária de Maceió. Embarquei no trem para Recife juntamente com Rubião Torres e Élio Wanderley, alagoanos aprovados nos exames da EPF. Partimos no famoso trem das Alagoas às 6:00 horas, chegada prevista 18:00 horas, nunca cumprindo o horário.

Escalas incontáveis, Bebedouro, Fernão Velho, Satuba, União dos Palmares, inúmeras pequenas cidades perdidas nos canaviais.

Nas estações, desciam e entravam novos passageiros. O trem parava o mínimo tempo,  aproveitar os vendedores de frutas, de comidas. ”Olha a manga madurinha…Cavaco, olha o cavaco…Tapioca quentinha feita na hora…Olha a água de quartinha…Chapéu de palha…” Impressionou-me os ambulantes em cada estação, pareciam as mesmas pessoas, os mesmos artigos oferecidos. Também havia pedintes. ”Dê uma esmola para o aleijadinho… Um auxílio para quem tem fome”… Os meninos pediam tostões e o ceguinho cantava na viola: ”Seu José, Dona Maria… Tenha pena do ceguinho que não vê a luz do dia…”.

O maquinista puxava o apito, o foguista botava lenha, a vistosa Maria Fumaça puxava os vagões como se fosse a mãe pata e os patinhos em fila. Invadia canaviais,verde cana, cana caiana. O azul do céu encontrava-se com o verde dos morros nos horizontes ondulados. O poeta Ascêncio Ferreira imortalizou essa viagem com o poema, “O Trem das Alagoas”. “Vou danado pra Catende, vou danado pra Catende com vontade de chegar… Mergulham mocambos nos mangues molhados… Moleques mulatos vêm vê-los passar… Adeus, adeus, mangueiras, coqueiros, cajueiros em flor. Adeus morena do cabelo cacheado… Vou danado pra Catende com vontade de chegar…Cana caiana, cana roxa, cana fita, cada qual é mais bonita, todas boa de chupar…Vou danado pra Catende, com vontade de chegar. Já deixei a praia longe…e vem perto outro mar.”

O outro mar ainda estava longe, viagem cansativa, bancos de madeira dura. Conversávamos, especulávamos o que haveria de ser, três meninos. No fundo do coração batia saudade, meus pais, meus irmãos, meu mundo, minha praia. Às vezes a vontade de chorar, olhava o verde canavial no infinito disfarçadamente enxugava uma lágrima. Eu era apenas um menino.

Na hora do almoço, fomos para o vagão restaurante. Tomamos cerveja conversando amenidades, amenizou o restante de viagem. Era noite quando o trem entrou na última estação, Recife. Primeira etapa da viagem cumprida, a danada da saudade a apertar, não valia chorar.

Ao descer do trem, avistei Seu Marcos, sogro de minha irmã Rosita. Levou-me para sua casa, prédio antigo, Rua da Imperatriz, centro do Recife, tive tratamento de príncipe. Cansado fui deitar. Com o travesseiro abafei meu choro, minhas lágrimas, meus temores. Adormeci. Nessa noite fiz xixi na cama.