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Emergências: ‘não há democracia brasileira em que os índios não tenham lugar’

09/12/2015
Emergências: ‘não há democracia brasileira em que os índios não tenham lugar’
Líder indígena dando voz aos protestos do seu povo (Foto:Lia de Paula/Ascom MinC)

Líder indígena dando voz aos protestos do seu povo (Foto:Lia de Paula/Ascom MinC)

Sem concessões a protocolos e roteiros pré-definidos. Assim foi a mesa que debateu as Culturas Indígenas no início da tarde dessa terça-feira (8), parte da programação do Emergências na Fundição Progresso. Convidado pelo mediador Ailton Krenak, um grupo de indígenas Kariri-Xocó, de Alagoas, subiu ao palco para um ritual sagrado de dança e canto aos espíritos, pedindo proteção e inspiração ao debate que começaria em seguida.
Pelo jeito, as preces foram ouvidas. O grupo foi ovacionado pela plateia e, após a apresentação do grupo folclórico Etnogroove (projeto de extensão da Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul), o ministro da Cultura, Juca Ferreira, iniciou sua fala dizendo que “não há possibilidade de pensar uma democracia brasileira em que os povos indígenas não tenham lugar”.
Para Juca Ferreira, a luta dos povos indígenas é uma luta de todos os brasileiros. “Em todo o evento que fizermos, temos que incluir os povos indígenas para dar visibilidade à luta”, prosseguiu, em referência a uma pergunta feita no dia anterior por um repórter, que questionou se a presença dos indígenas, no Emergências, não deixaria o encontro “folclórico demais”.
“Disse a ele que a luta dos indígenas é uma luta nossa. Se falamos de direito à cidade, se falamos de direito à cultura, se falamos sobre o aspecto ético, político, sobre todos os aspectos, temos que incluir os indígenas”, destacou, ao relatar sua resposta ao jornalista.
O ministro também citou a PEC 215 como uma “grande ameaça” aos direitos indígenas atualmente previstos na Constituição Federal. A proposta prevê mudança no texto constitucional quanto à demarcação das terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação ambiental, abrindo espaço para que sejam utilizadas em projetos de agronegócio e mineração.
Intercaladas por outras intervenções de cantos e danças que subiam ao palco à mediada que o debate avançava, lideranças indígenas davam voz aos protestos de seus povos. Sônia Guajajara, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), ressaltou a importância dos indígenas na preservação do meio ambiente, também fazendo referência à PEC 215 e às consequências de liberar terras indígenas à exploração de ruralistas e mineradoras.
“Somos poucos índios para proteger a terra de todo o Brasil. Se entregarmos, nossas florestas irão se transformar em plantação de eucalipto, soja ou cana”, destacou. “Falando de emergências, quero dizer para vocês que o Maranhão está em chamas, nossas terras estão sendo incendiadas por ataques criminosos em consequência do desmatamento ilegal”, relatou, sob os aplausos inflados do público.
 Questão mundial
Para a líder indígena, a questão da terra não é apenas local, mas mundial. Ela não poupou os líderes reunidos na COP 21 (Conferência do Clima de Paris 2015). “Cheguei agora de Paris. Eram chefes de Estado fazendo de conta que estão discutindo formas de reduzir o aquecimento global. Mentira! Como é que vão mudar suas posturas se a lógica do desenvolvimento que pregam é vender mais?”, questionou.
Já Elvira Espejo, diretora do Museu Nacional de Etnografia e Folclore de La Paz, Bolívia, lembrou que é preciso romper com as lógicas das comunicações tradicionais para resgatar a cultura indígena completa, na sua essência, e promover a integração de todos os povos americanos.
Também vindo da Bolívia para o Emergências, Juan Carlos Cordero começou sua fala saudando o “primeiro presidente indígena” das Américas, Evo Morales, e exaltando a importância de que se respeite a “mãe terra” para preservar a vida do planeta. Ele clamou, ainda, pela construção de uma nova sociedade. Em seguida, chamou ao principal tablado da Fundição Progresso um grupo de indígenas bolivianos. O grupo levantou o público, literalmente, com seus cantos e danças.
Nesse momento, Juca Ferreira foi arrastado para o centro do palco pela boliviana Elvira Espejo. Já não havia mais ninguém sentado. Nem à mesa, nem na plateia. E para completar a festa de ritmos, o líder Juan Carlos chamou um grupo afro-boliviano, que com sua percussão e coreografia contagiou a todos.
Outros líderes brasileiros, como Tonico Benites e Carlos Tukano, mantiveram a mesma sintonia em suas falas. E houve um momento em que o público, contagiado pela atmosfera, cantou em coro: “Sou guarani, sou kaiowá, contra o latifúndio, eu vou lutar!”.
O clima que predominou no debate foi de alegria e respeito à influência da cultura indígena na formação dos povos americanos, influenciado pela militância engajada dos líderes indígenas na preservação da terra de seus povos e, por extensão, do planeta.