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Estilista alagoano faz sucesso nas passarelas de Milão, um dos maiores centros da moda mundial
O estilista internacional, Napoleão César, passou os dez primeiros anos de sua vida em São José da Laje, interior de Alagoas, onde teve o primeiro contato com a moda. A mãe, Quitéria Martins, organizava os bailes de debutantes da cidade e também costurava os modelos que enfeitariam os sonhos de muitas mocinhas da cidade.
Foi a partir desse momento que o menino “curioso” tentava imitar os desenhos trazidos pela sua mãe, de Recife, e que seriam os escolhidos pelas participantes dos bailes. De “imitador” dos desenhos ele passou a pintar, fazer ‘biscuit’ e trabalhar com decoração. Mas a arte aprendida às escondidas com a dona Quitéria o fez alcançar degraus jamais imaginados por ele.
Em entrevista exclusiva ao Jornal Tribuna do Sertão, Napoleão fala de sua vida dedicada à alta costura, e de como é viver dessa profissão em Milão, uma das três capitais da moda do mundo, cidade que dá sustentação a uma das maiores indústrias da área, e conhecida por tornar capaz a transformação de tendências em realidade, e as fantasias criativas dos designers em propostas apropriadas ao mercado.
De São José da Laje para o mundo
Tribuna do Sertão (T.S.) – Quando você teve o primeiro contato com a moda?
Napoleão César (N.C.) – Foi em São José da Laje. A minha mãe, Quitéria Martins, organizava o baile das debutantes da cidade e como ela era costureira, fazia muitos vestidos. Ela viajava para Recife e trazia muitos desenhos dos estilistas. Daí, eu via e tentava copiar. Depois da festa, os desenhos não serviam mais, então eu pintava os desenhos e adorava colocar cor nas roupas. Saímos de São José da Laje e fomos morar em Maceió, onde minha trabalhava pela manhã, e à tarde costurava para suas amigas, e para nós. De vez em quando, escondido, eu costurava umas coisinhas (risos). Mas comecei a fazer decoração de festa, coisinhas de biscuit, e tudo que era artes manuais eu gostava de fazer.
(T.S.)- O que te motivou a entrar para o mundo da moda ?
(N.C.)- Além das costuras da minha mãe, as decorações que eu fazia para eventos que envolviam a moda. Conheci alguns amigos que me convidaram para decorar o local onde aconteceria o concurso “Miss União dos Palmares”. Não sei o ano, mas foi aí que eu conheci os grandes estilistas Tony Chaves e Marcus Telles. Conhecendo eles, pedi ao Tony que me ensinasse a bordar, visto que antes eu só bordava para a minha mãe. Fui à casa dele e começamos a bordar. O Marcus sempre um artista, seja nas criações ou nas pedrarias. Então, abandonei as decorações e comecei só a bordar. Fiz um curso de estilista no Senac, em Maceió, onde eu conheci o grande estilista Eduardo Moura, outra grande artista nas costuras. Por enquanto, eu só bordava e costurava para as minhas amigas. Pequenas coisas, até porque não sabia costurar como os grandes estilistas. Com o Eduardo Moura, tive o prazer de costurar vestidos para o “Miss Alagoas”. Voltei a trabalhar com Tony Chaves, a quem devo muito agradecer, e depois de um tempo, fui trabalhar no Centro, em uma loja, como estilista, sempre incentivado por ele e pela minha mãe, que sempre me apoiou em tudo que eu fiz. Daí, decidi costurar a “sério”. As pessoas pediam, quase sempre, para eu costurar e resolvi ser mais curioso e aprender como costurar bem. Foi quando comecei a procurar a entender melhor a alta costura. Juntei um pouco daquilo que aprendi com “mainha”, com o Tony e com o Eduardo Moura, e não contente, fui trabalhar com o estilista Júnior Toledo. Juntei tudo e comecei a fazer os acabamentos como eu gostava. Um pouquinho de cada um deles e fiz das minhas roupas obras de arte, com um acabamento, que modéstia à parte, eram perfeitos. Tinha a minha cunhada que era a minha cobaia (risos) e sempre que acontecia uma festa, e eu tinha uma bela ideia, tinha que realizar, aí fazia para ela.
(T.S.)- Qual trabalho foi marcante para você, em Maceió?
(N.C.)- Todos, mas um foi especial. Depois de tanto trabalhar com os grandes estilistas, tive o prazer de conhecer Rosita Quintela. Foi um período em que ela não tinha mais o seu bordador e perguntou ao Tony se ele conhecia alguém que bordasse bem e ele me apresentou à ela. Sempre muito tímido, sentei ao lado dela, que me perguntou se eu poderia iniciar um bordado. Ela me mostrou um desenho que eu ainda me lembro: um vestido em tule, cor de pele, bordado com nylon, que faziam ramos de flores de renda. Aprendi muito com ela. Uma pessoa maravilhosa, que me ensinou não só a arte da alta moda, mas também como viver com serenidade. “Minha rainha”, era assim que eu a chamava. Por causa dela, bordei muitos vestidos para a grande sociedade de Alagoas. Em meio a tudo isso, bordava e costurava em casa, para as minha amigas, que depois foram se transformando em clientes.
(T.S). – Qual foi o incentivo que você recebeu para deixar a sua terra e se “arriscar” em um lugar desconhecido?
(N.C.) – Estava em casa, uma manhã, e o telefone tocou. Eu estava no banho e minha mãe assistia alguma coisa na televisão. “Bom dia, é da casa do César?” Ninguém me chamava de Napoleão, só a dona Rosita. Ouvia minha mãe falando ao telefone e eu não sabia do que se tratava. Era o Marcus Telles, que falava da ideia de me convidar para fazer um estágio, uma experiência aqui na Itália. Tinha sempre muito trabalho, mas era para ficar apenas três meses. Claro que eu aceitei. No dia 31 de outubro de 2005, há 10 anos, sai de casa com uma pequena mala, pois era para ficar só três meses. Mas estou aqui ate hoje (risos). Aqui tudo mudou. Depois de um mês, me fizeram a proposta de ficar aqui. Fiquei meio assim, sem saber o que dizer, mas sabia que aqui era o meu lugar. Um ano depois, fui trabalhar com a estilista Teresinha dos Santos, uma brasileira que tem seu ateliê aqui. Tive o prazer de vestir Zilú Camargo, para o casamento de sua filha; vesti a Simone Leite, mãe do jogador Kaká; vesti também a Lúcia, mulher do goleiro Dida, e muitas outras pessoas.
Depois de um ano e meio trabalhando com a Teresinha, já tinham se passado três anos sem eu ir ao Brasil. Era tempo do descansar. Fui ver minha mãe e meus amigos: férias, descanso, comer, me divertir, e vi quanta coisa tinha mudado e como eu não conhecia mais a minha cidade. Voltei para Milão e resolvi que era tempo de retomar a minha carreira. E não fui mais trabalhar com ninguém.
(T.S.) – E como foi abandonar tudo para entrar sozinho nesta área tão concorrida, em um país como a Itália, que é berço da moda?
(N.C.) – Ia às lojas e dizia que era “sarto”, costureiro em italiano, e mostrava meu trabalho a eles. Devagarzinho, começaram a me chamar e a apresentar algumas clientes. No início foi um pouquinho difícil, mas depois elas chegavam e agradeciam muito aos donos das lojas e acolhiam o meu trabalho. Eles começaram a confiar mais em mim e cada vez mais crescia o número de clientes. Dois anos se passaram e eu ia sempre à casa das clientes, provar as roupas. Uma manhã, ao chegar atrasado na casa de uma cliente, ela me disse: “Você devia mudar isso. Vamos ver um local para você fazer o seu ateliê”. Eu não sabia se era isso que queria, mas fomos ver o local, um belo cenário, no Centro da cidade. Fiz a proposta e eles disseram que depois de 15 dias o local seria meu. A cliente tinha falado muito bem de mim e eles confiaram. Abri a “mia sartoria” e surgia assim a marca “Napoleao Cesar” Made Italy. No meu ateliê conheci novos clientes, e por meio da minha amiga jornalista Manuela Matos, conheci a artista plástica alagoana, Geovana Clea, que faz sucesso aqui em Milão e que também se tornou minha cliente (risos).
(T.S) – Como aconteceu sua estreia nas passarelas de Milão?
(N.C.) – Em 2009 eu fiz meu primeiro desfile, em um local no Centro de Milão, chamado MIB. Foi uma noite muito linda, em que fiz minha primeira coleção, com vestidos que iam do estilo prêt-à-porter (pronto para vestir) ao elegante. Meu estilo vai sempre ser o elegante, pois estou acostumado com os vestidos de noite que fazia quando estava no Brasil. Trabalho sob medida. Então faz parte a cliente escolher o tecido, escolher o modelo e depois começar a trabalhar. Aqui fazemos uma tela em algodão, onde tiramos os defeitos, e depois fazemos a roupa. Usamos como forro sempre seda, coisa que no Brasil é impossível, por causa do preço da seda.
Fia a minha segunda coleção dedicada ao mar e anos 60. Óculos grandes, foulard (lenços de seda quadrados, estampados e luxuosos), e vestidos em azul marinho e detalhes em branco. Terminando com uma noiva, que logo depois vendi pra uma noiva de verdade que foi casar na Grécia.
(T.S) – Como é trabalhar em Milão?
(N.C.) – Trabalhar em Milão me ensinou a diferença de o trabalho ser valorizado. Ser costureiro aqui é ser valorizado. Aqui não faço muito vestido de festa, de madrinhas ou noivas. Faço a roupa do dia a dia. A camisa, a calça comprida, o blazer, entre outros, coisa que tive que aprender aqui mesmo. Era acostumado a fazer só roupa de noite. Quando resolvi abrir o meu ateliê fiz um curso de modelista e estilista na IMB (Instituto de Moda Burgo de Milão), para entender a diferença entre a modelagem brasileira e a moda italiana. Aprendi a fazer a costura para homem, a mais famosa no mundo, para depois aplicar na roupa do dono. Aqui, na costura feminina, não usamos muito bordado, muito frufru como no Brasil, fazemos o clássico. Aqui se olha perfeição da roupa, o caimento e a “finitura”, como eles chamam o acabamento. Se eu era perfeccionista no Brasil, aqui tive que ser mais ainda.
(T.S.)- Quais os estilistas que mais te inspiram na hora de elaborar um desenho para fazer a sua costura?
(N.C.)- A minha inspiração vem sempre dos estilistas Giorgio Armani e Elie Saab. Sou fã deles por que são sempre elegantes. Aprendi a ter bom gosto com as pessoas que trabalhei no Brasil, então aqui foi fácil entrar no gosto italiano. Gosto de ver a mulher bem vestida, elegante, sem precisar de muita coisa para dizer que está bem vestida. Aqui, por incrível que pareça, não se olha a marca que se usa e sim se teu vestido é bonito ou não. Tenho vontade de mostrar tudo isso para Alagoas, mas acho que ainda vai demorar um pouco, aproximadamente um ano, pois em 2016 pretendo fazer um mega desfile aqui em Milão. Mm seguida, vou levá-lo para Maceió, e isso vai ser um momento muito importante na minha vida.
(T.S.)- O jornal Tribuna do Sertão agradece pela entrevista. Fique à vontade para as considerações finais.
(N.C.)- Gostaria de agradecer a belíssima entrevista ao Jornal Tribuna do Sertão, que me proporcionou este momento tão bonito de lembrar as grandes pessoas que me ajudaram a crescer e ser este profissional que sou e que tento melhorar sempre. Finalizo agradecendo a Deus, pois sem Ele nada é possível. Agradeço sempre, pois tudo o que eu faço é para honra e glória Dele. E em segundo lugar, minha mãe, que sempre me incentivou em tudo, além da minha família. Um obrigado especial a você, Lucianna, que se preocupou em escrever uma matéria, falando sobre uma pessoa desconhecida. Te agradeço de coração.
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