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A escritora e o poeta
Raquel contemplava o infinito céu azul através da janela do avião, lembrava Jorge, quantas viagens juntos, era a primeira depois da separação. A sonoridade harmônica das turbinas levava-a a tempo distante. Uma separação brusca, o marido apaixonou-se por uma menina, 23 anos, estudante de medicina, dava-lhe tudo, pagava a faculdade, a mais cara de Belo Horizonte.
A piloto anunciando a descida em Maceió tirou Raquel do devaneio. Ela se recompôs, bonita, vaidosa, refez a maquiagem. Escritora, professora de literatura, seis livros, amante da poesia, foi convidada para mesas de debates sobre o poeta Jorge de Lima, homenageado da 6ª Festa Literária de Marechal Deodoro. Desembarcou, um carro à espera levou-a a uma bucólica pousada na praia do Francês, seu lar nos quatro dias de VI FLIMAR. Ainda era meio dia, solenidade de abertura às 19:30 horas, havia tempo, vestiu o biquíni branco, olhou-se no espelho, admirou o belo e conservado corpo cinquentão, rumo à praia. Ao pisar na areia branca, mar azul turquesa, matizes verdes, extasiou-se. Sentou-se, fascinada pela beleza, arrecifes fazendo cachoeirinhas. Raquel contemplava, não pensava, apenas sentia. Passaram-se duas horas. Deu fome, matou-a com queijo assado, cerveja gelada. Levantou-se, andou, correu, mergulhou, parecia uma menina, fez castelo de areia, brincou sozinha até o Sol se esconder no fim do mundo.
À noite, uma van recolhia nas pousadas os escritores convidados para abertura, ela sentou-se junto a um jovem alto, barba rala, cabelos encaracolados, descendência afro, se apresentaram. Ao entrar no Centro Histórico de Marechal Deodoro ( 419 anos), grata surpresa, a arquitetura colonial do casario conservada, igrejas imponentes. Desceram no auditório do Espaço Cultural. Solenidade simples, discursos, hino nacional cantado pela soprano Elvira Rebelo, finalmente quatro poetas se revezaram declamando Jorge de Lima, entre eles o colega da van, Damião, deu show, o povo aplaudiu “Essa Nêga Fulô”. Os convidados terminaram a noitada no Bistrô da Lagoa, boa comida, bons vinhos. Havia exposição de quadros belíssimos do pintor poeta Pedro Cabral. Raquel ficou até mais tarde em conversa animada com Damião Pascoal, poeta de Lagoa da Canoa, terra de Hermeto Pascoal. A van levou-os de volta às pousadas. A escritora e o poeta resolveram prolongar a conversa andando na praia, sandálias nos dedos, molhando os pés na marola. De repente sentaram-se apreciando uma lua nascendo na escuridão do mar. Certo momento Damião encarou Raquel, não precisou palavras, beijaram-se, abraçaram-se, tudo aconteceu, rolando na areia morna da praia do Francês, sob a benção de Iemanjá.
Raquel invadida de felicidade momentânea, teve o primeiro homem depois do descasamento, sexo casual, sem culpa, dormiu feito criança.
Nos dias seguintes a escritora compartilhou mesa de debates, saraus, oficinas. Plateia cheia, Raquel participou da entrevista com o compositor Nando Cordel, encantou-se com a bela figura humana, homenageado vivo da VI FLIMAR. Caminhou pela cidade histórica, população envolvida, uma feira de cultura mostrava a arte nordestina. À beira da Lagoa Manguaba no calçadão da orla as tendas assinalavam a Flimarzinha, participando alunos da rede de ensino, contação de histórias, soletrando. Chorou ao ver os jovens em cortejo recitando Jorge de Lima e cantando Nando Cordel. À noite, música e poesia, concerto com as cinco filarmônicas da cidade, sarau poético no quintal da casa museu de Marechal aberto ao público, ela se atreveu, recitou Drummond.
Quando podiam, a escritora e o poeta estavam juntos, além de se envolverem na literatura, história, cultura, dormiam juntos, amaram-se feito dois animais durante quatro dias. No encerramento, inesquecíveis palestras, músicas e poesias, confraternização entre participantes e o povo com seresta nas ruas estreitas, enladeiradas da cidade, cantando cantigas de amor. Finalmente o show de Nando Cordel.
E o que era doce acabou, tudo tomou seu lugar depois que a FLIMAR passou. No avião, retornando à BH, Raquel olhava o céu azul, ela ensinou e aprendeu nos quatro dias de Marechal, pensava, a vida é bela, merece ser vivida.
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