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Projeto de lei conservador busca criminalizar doutrinação ideológica em escolas do País

27/07/2015
Projeto de lei conservador busca criminalizar doutrinação ideológica em escolas do País
Um dos cartazes da ONG Escola sem Partido (Divulgação)

Um dos cartazes da ONG Escola sem Partido (Divulgação)

 

Defendido como medida prioritária por movimentos que exigem o impeachment da presidente Dilma Rousseff, um projeto de lei com o pretexto de acabar com a doutrinação político-ideológica nas instituições de ensino do País tem ganhado força entre parlamentares municipais, estaduais e federais.
O projeto de lei Escola sem Partido, elaborado pela ONG de mesmo nome, foi inspirado em pais e alunos norte-americanos que lutam contra o que chamavam de doutrinação ideológica nas escolas. A ideia, segundo seu criador, o advogado Miguel Nagib, “é defender o moral dos filhos, pois professores têm confundido liberdade de expressão com liberdade de ensinar, usando a sala de aula para dizer o que pensam”.
Sob o argumento de que professores, especialmente em períodos eleitorais, usam salas de aula para cooptar votos para partidos de esquerda – tendo como exemplo máximo o PT de Lula e Dilma Rousseff –, o deputado federal Izalci Lucas Ferreira (PSDB-DF) recebeu parecer favorável da Comissão de Educação da Câmara para votar o projeto ainda neste segundo semestre. O texto tem como principal meta a instalação de cartazes em salas de aula elencando aquilo que docentes não podem passar a seus alunos, teoricamente para esclarecer a todos seus deveres e direitos.No próximo mês, um PL complementar, de autoria de Rogério Marinho (PSDB-RN), ainda pretende discutir a inserção de punição criminal àqueles que forem considerados praticantes da suposta doutrinação.
“Seria algo extremamente temerário criminalizar isso que chamam de doutrinação político-ideológica. O projeto leva a um controle sobre os professores totalmente desprovido de fundamento, se transformando em um verdadeiro instrumento de coação contra o corpo docente”, avalia Rogério Basili, professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista ao iG. “Professores passariam a ser perseguidos a partir deste tipo de orientação, uma lei absurda que levará o conservador a perseguir o progressista, como na ditadura. É algo absolutamente pernicioso.”

Adesão crescente

Apesar de o PL especificar ser contra todas as ideologias, o argumento entre os políticos para a sua aprovação tem sido o mesmo: de que a esquerda brasileira se apropriou das instituições brasileiras para doutrinar alunos, algo que futuramente se converteria em votos para seus partidos. Em meio ao acirramento do debate ideológico no País, ao menos sete Estados da federação – São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo Rio Grande do Sul, Ceará e Distrito Federal – iniciaram discussões para aprovar o texto de um ano para cá. Em dezembro, o município de Santa Cruz do Monte Castelo, no interior do Paraná, foi o primeiro do Brasil a transformá-lo em lei.

“Já perdi o controle de quantos lugares já apresentaram o projeto. Ainda bem”, diz Nagib, em tom de satisfação. “O combate à doutrinação é muito transparente e honesto, porque não faz discriminação de ideologia, vale para todo mundo. A essência do projeto é que as escolas coloquem um cartaz com os deveres do professor, deveres que já existem porque decorrem da Constituição, da liberdade de consciência do aluno. Então, a intenção é que o estudante saiba que a doutrinação é proibida por lei. Informar para combater.”
A adesão de parlamentares ao texto pronto, totalmente elaborado pela ONG, continua a crescer. “A votação deve ocorrer logo, porque este tema é uma das pautas prioritárias dos movimentos nas redes sociais que pedem o impeachment da presidente, como o Vem Pra Rua”, diz Izalci, um dos parlamentares que receberam os grupos anti-Dilma recentemente em Brasília. Ele afirma manter relação bastante próxima a eles, em cujos protestos não raro se observa faixas com dizeres como “basta de doutrinação marxista [fundador da doutrina comunista]! Basta de Paulo Freire [patrono da Educação brasileira]!”.
“Não pretendemos impedir a discussão da questão política. Pelo contrário. Mas este debate precisa ser global. Não dá para induzir a doutrina de um partido, de um PT, de um PCdoB. Essas siglas conseguiram fazer até a União Nacional dos Estudantes (UNE) virar chapa branca, com patrocínio do governo. É uma influência que a gente não aceita. Ou se coloca os 33 partidos brasileiros lá para o debate nas salas ou se acaba com isso de uma vez por todas.”
“Não estão preocupados com a educação”
Enquanto os defensores do projeto afirmam que o texto visa a proteger o aluno e conscientizar seus pais a respeito do que é passado em sala de aula, professores e sindicatos têm atacado a medida, alegando ser uma forma de censura e coação aos docentes.
Em maio, após a apresentação do texto na Câmara dos Deputados, professores do Rio Grande do Sul classificaram o PL como defensor de uma “ideologia liberal conservadora, alheia à agenda dos direitos humanos, avessa aos movimentos sociais, às suas reivindicações e à sua repercussão no mundo da escola”.
No mês passado, depois de o PL ser apresentado na Câmara Municipal de Curitiba, o Conselho Regional de Serviço Social da 11ª Região se manifestou dizendo que, “ao pautar-se no direito à pluralidade de ideias no ambiente escolar e na liberdade política do estudante, se pretende escamotear o cerceamento e a criminalização de grupos organizados ligados a movimentos de direitos humanos, que ao longo das últimas décadas lutam por uma escola pública laica, gratuita, que respeite e considere a diversidade humana nas suas dimensões ligadas à identidade de gênero e à orientação sexual, étnica e religiosa”.
O mesmo foi feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, que classificou recentemente o PL como “uma verdadeira afronta à Constituição”, representando “um profundo desrespeito aos professores, tratados como manipuladores e doutrinadores a induzir crianças e adolescentes político-ideologicamente”.
Tanto Nagib quanto o deputado Izalci discordam desses posicionamentos. Afirmam que só chama de censura o projeto quem não conhece a Constituição, pois “juridicamente isso seria cerceamento de liberdade de expressão, algo a que o professor não tem direito” – “do contrário, ele poderia passar a aula falando sobre futebol”, como exemplifica o coordenador da ONG. Alegam ainda que o projeto tem puramente a intenção de assegurar a liberdade de consciência do aluno.
No entanto, ambos admitem que pode haver confusão na análise do que seria doutrinação nas escolas. Portanto, caberia ao professor “agir com prudência” ao abordar assuntos políticos que possam soar desta forma por seus alunos.
“Se o professor defender de maneira apaixonada determinado posicionamento, certamente vai transmitir ao aluno essa impressão, podendo ser acusado de fazer a cabeça desse estudante”, argumenta Nagib. “Um dos deveres do professor é apresentar aos alunos e de forma justa as principais teorias e versões a respeito da matéria. Queremos assegurar que o estudante tenha acesso a diversas perspectivas e não fique fechado a um único ponto de vista do professor, à visão ideológica do docente.”
Para o professor da Unb, o projeto simplesmente gera confusão devido ao fato de já ter nascido confuso, a começar pela instalação de cartazes em salas de aula, “constrangedores ao docente e ridículos do ponto de vista pedagógico”, avalia.
“Além do mais, se houvesse de fato uma queixa consolidada de estudantes dizendo que são doutrinados, o debate poderia até acontecer. Mas não é o caso. Os estudantes reconhecem nesta atividade de pensamento político sua própria emancipação, sua possibilidade de ser protagonista, de se transformarem em sujeitos da história. E, historicamente, são sempre eles, mais engajados e informados do que os próprios pais, que fazem os movimentos de transformação”, analisa Basili.
“Não se pode impor esse controle. Os jovens são bombardeados por ideologias o tempo inteiro, na televisão, nas redes sociais. Mas não existe debate nesses lugares, não há conscientização. O debate mesmo é feito de fato nas instituições de ensino. Só o fato de colocar o projeto para votação já mostra o quão distantes de todas as bases sociais, inclusive da juventude, estão os políticos de nosso País.”