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O Idealismo de Dona Zoé

26/05/2015

Um dos prazeres da minha vida era receber os telefonemas de Dona Zoé Noronha Chagas Freitas. Educadora por formação, leitora contumaz das grandes revistas francesas, gostava de dividir comigo os textos relativos à educação, que ela garimpava com um desvelo especial. Não se conformava com os poucos cuidados devotados à nossa educação e era com muita energia que criticava as ações oficiais, em geral insuficientes para garantir a qualidade indispensável. Só me restava concordar com os seus pontos de vista, pois eram pertinentes.
Dona Zoé, como carinhosamente nós a chamávamos, colocou-se sempre ao lado dos professores, nas suas justas reivindicações. Esposa do governador Chagas Freitas, que ela carinhosamente chamava de “Pádua”, um dia me pegou na Sala Cecília Meireles, em plena greve do magistério oficial, e me deu um aperto em regra: “Você é o Secretário de Educação e Cultura e precisa ser mais enérgico para dar o aumento dos professores.” Humildemente, pedi que ela conversasse também com o seu marido, governador do Estado, que tinha o poder e a caneta na mão. Ela prometeu falar com ele. E assim fez. Os mestres do Rio de Janeiro receberam aumentos de até 1.000%. Quem sabe, muito por influência dela?
Dona Zoé era uma pessoa de cultura. Frequentava os cursos coordenados por Ruth Niskier no Centro Cultural Desembargador Aloysio Maria Teixeira. Era muito assídua. E sempre lembrava os extraordinários trabalhos de recuperação feitos sob sua liderança no Palácio Laranjeiras e na Catedral da Sé. Mas reservava um carinho muito grande para as ações desenvolvidas na Sociedade Pestalozzi, onde acompanhou a incrível performance da educadora Helena Antipoff. São nomes inscritos para sempre no pantheon da educação especial brasileira.
Outra atividade em que se destacou o empenho de Dona Zoé foi na criação e desenvolvimento da Escola de Arte do Brasil. Adorava trabalhar ao lado do pintor Augusto Rodrigues, expandindo vocações de crianças que depois se tornaram artistas afamados. Era natural, pois, que tivesse uma rica pinacoteca, em sua residência, com alguns dos melhores pintores brasileiros. O marido acompanhava o seu gosto pela nossa arte.
Dona Zoé faleceu aos 95 anos de idade, cercada pelo carinho e a saudade antecipada de amigos, filhos, netos, bisnetos e o tataraneto Antônio. Foi uma figura especial da cultura brasileira. Era constante a sua presença nas temporadas de música, ópera e balé do Teatro Municipal. Não deixava vazio o seu camarote de primeira dama. Quando não podia ir, por qualquer razão, mandava convocar alunos das escolas públicas do Estado – e assim todos ganhavam.
Ela certamente fará falta aos seus familiares e incontáveis amigos. Sobretudo pela paixão com que se devotou ao binômio educação-cultura, compreendendo o seu relevo para o processo de desenvolvimento do Brasil. Dou razão ao ex-Secretário Waldir Garcia: devemos manifestar o respeito pela sua memória e esperar que o Governo do Estado faça o mesmo, quem sabe, dando o seu honrado nome a uma das nossas próximas escolas. Será um ato de pura justiça.