Curiosidades
Presente na 36ª Bienal de SP e com individual no Rio, Marlene Almeida mantém pesquisa de cinco décadas com pigmentos dos solos brasileiros
Aos 82 anos, artista paraibana segue sua rotina de expedições, como chama as viagens para coletar amostras de solo, auxilidada pelo filho geólogo
Há mais de 50 anos, Marlene Almeida transformou sua pesquisa sobre pigmentos naturais em parte de sua produção artística. No entender da artista paraibana de 82 anos, as milhares de amostras de terra coletadas em todas as regiões do país e no exterior são tão parte de sua criação como as pinturas e esculturas produzidas a partir das cores retiradas do solo. , em cartaz no Pavilhão do Parque Ibirapuera até 11 de janeiro de 2026, os dois aspectos da obra de Marlene são abordados na instalação “Terra viva” (2025), dividida em dois espaços complementares. Um com pinturas em têmpera fosca sobre faixas de algodão cru e outro reproduzindo parte de seu ateliê em João Pessoa, com dezenas de vidros contendo solos brasileiros, equipamentos laboratoriais e cadernos de campo.
Das ruas para as galerias:
'Não levava a sério':
Depois de ganhar mostras, em maio, na Bélgica e no Reino Unido, . Em cartaz na galeria Flexa, no Leblon, Zona Sul do Rio, até dia 17 de janeiro, a exposição também reúne pinturas (produzidas entre 2019 e 2024) e amostras de terra coletadas por ela.
Nascida em Bananeiras, região do Brejo Paraibano, a cerca de 130 km da capital, e graduada em filosofia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Marlene começou a coletar terra para produzir pigmentos na década de 1970. O primeiro solo retirado foi na Praia do Cabo Branco, na capital, frequentada pela artista desde a juventude. A partir de então suas expedições, como chama as viagens para coletar material, se tornaram parte indissociável de sua prática artística.
— Eu pintava com tinta a óleo, como todo mundo que conhecia. Um dia resolvi levar uma amostra da Praia do Cabo Branco, onde tem um afloramento lindíssimo de uma formação geológica chamada Barreiras, que acompanha a costa do Brasil do Pará até o Rio — explica Marlene. — Depois de peneirada, a terra é lavada várias vezes e decantada para chegar ao pigmento, que depois transformo em tinta com aglutinantes naturais, como resinas vegetais. Mas para cada resultado de cor é um processo diferente. Muitas vezes, quando preparo um pigmento, penso: essa é a obra, não preciso fazer mais nada.
Para chegar aos pigmentos desejados, a artista faz um estudo em mapas geológicos para ver a posição dos sedimentos que deseja coletar, em várias partes do país. Inicialmente, Marlene contava com a ajuda do marido, o engenheiro civil Antonio Almeida, e depois do filho, o também artista, geólogo e paleontólogo José Rufino, em suas viagens de pesquisa. Que acabaram definindo todos os roteiros da família.
— Costumo dizer que não tenho família, tenho equipe, e que a gente não faz turismo, faz expedições — diverte-se a artista. — A gente brinca que o José aprendeu a ler no manual de mineralogia. Hoje ele me dá um suporte importante com a parte geológica nas expedições. Além disso, costumo ganhar muitas amostras de amigos quando viajam, me dão de presente de aniversário, Natal. É um carinho, prova de que realmente a pessoa pensou em mim.
Cocuradora at Large da 36ª Bienal de São Paulo, a carioca Keyna Eleison acredita ser fundamental trazer ao público uma obra como a da paraibana numa coletiva que tem o conceito de prática em seu título.
— A Marlene é uma artista estrutural, importantíssima, que quebra parâmetros sobre o que é uma pesquisa pictórica. Ela mostra que não existe a cor em si, ela é um encontro. A cor é o lugar, o tempo, o espaço, ela é o ímpeto que a Marlene teve de buscá-la — observa Keyna. — Ela também vai contra os parâmetros que aprendemos sobre o lugar das mulheres nos espaços de liderança. Uma artista madura, ativa, que desenvolveu uma longa pesquisa e que deve ser muito mais falada e estudada.
Sócia da Flexa e curadora de "Veios da terra" junto a Daniela Avellar, Luisa Duarte vê na obra desenvolvida há décadas pela artista paraibana uma sintonia com questões relacionadas à calamidade climática que estão na ordem do dia.
— A Marlene lida com temas da natureza, da ecologia, de forma muito coerente e íntegra, e agora o relógio do espírito do tempo, em que isso se tornou um assunto inevitável nos nossos dias, entrou em sincronia com a singularidade da sua produção — avalia Luisa. — Ela trata a terra como um organismo vivo, não como um recurso a ser explorado. Mas não há nada literal nem panfletário, é uma abordagem profundamente poética.
Verde, a cor mais difícil
Na poética de seu olhar sobre o solo de seu país — que batiza seu ateliê como Museu das Terras Brasileiras — Marlene diz que o verde, justamente, é uma das cores mais difíceis de se obter ("Pesquisei até chegar a um verde lindíssimo em Minas, na Formação Serra da Saudade").
— Quando comecei a usar o pigmento natural, fazia pinturas mais figurativas, de paisagens, como forma de conscientizar as pessoas. Mas percebi que conseguiria fazer isso só de olharem a terra, de perceberem que aquele solo que você pisa tem cor, tem cheiro, tem plasticidade. Que a terra não é uma coisa utilitária, ela tem vida também.
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