
A sessão que fugiu pela porta dos fundos

Há momentos em que a história de uma cidade se revela não nos grandes discursos, mas nos gestos miúdos — e covardes — de quem deveria defendê-la. A sessão da Câmara Municipal de Palmeira dos Índios, que prometia ser um marco na luta por transparência, acabou virando mais um daqueles capítulos constrangedores que envergonham o eleitor e fortalecem a desconfiança na política local.
O roteiro era claro: no centro da pauta, o escândalo do IGPS, um instituto que já engoliu mais de R$ 30 milhões dos cofres do município, investigado por contratações sem concurso, contratos suspeitos e uma sede que mais parece miragem. O vereador Helenildo Neto, no papel que se espera de um legislador, apresentou dois requerimentos que não pediam nada além do óbvio: cópia integral dos processos de pagamento ao IGPS e comprovação dos repasses trabalhistas e previdenciários. Em outras palavras, um pedido formal de fiscalização.
E foi aí que a encenação começou. À medida que a sessão avançava, cadeiras foram se esvaziando, vozes sumindo, olhares desviando. Vereadores, que minutos antes estavam tão dispostos a falar sobre qualquer outro assunto, simplesmente deixaram o plenário. Não foi acaso. Não foi agenda lotada. Foi fuga. Fuga deliberada para não dar quórum, para não votar um requerimento que mexe onde não se quer mexer.
O resultado? O requerimento ficou pelo caminho, sepultado pelo silêncio estratégico e pela covardia parlamentar. O que estava em jogo não era apenas um documento, mas o direito da população de saber para onde vai o dinheiro público — especialmente quando esse dinheiro é federal, destinado a serviços essenciais, e quando denúncias sérias já estão no radar da Controladoria-Geral da União e do Ministério Público Federal.
A mensagem que fica para o cidadão é cruel: quando a oportunidade de fiscalizar surge, parte dos representantes do povo prefere a porta dos fundos à tribuna. E cada vereador que esvaziou aquela sessão precisa carregar o peso desse gesto, porque a omissão é, também, uma forma de cumplicidade.
Agora, a bola está no campo do vereador Helenildo Neto. Espera-se dele não apenas indignação, mas ação. Que remeta imediatamente esses mesmos pedidos, e outros que se fizerem necessários, ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público Federal. Que não se perca no labirinto das sessões esvaziadas e nem aceite que a pauta da fiscalização seja soterrada pelo corporativismo e pelo medo.
O caso do IGPS já tem todos os ingredientes de um escândalo: valores milionários, contratos questionáveis, denúncias documentadas e até o detalhe pitoresco de uma “sede” que não funciona. O que falta é a coragem institucional de encarar o problema de frente.
Se a Câmara não cumpre o seu papel, resta ao cidadão e às autoridades externas fazerem o que deveria ser rotina: exigir transparência, cobrar respostas, responsabilizar quem errou. Porque a pior herança que um parlamento pode deixar não é a aprovação de leis ruins, mas a recusa deliberada em usar as ferramentas que a própria lei lhe dá para fiscalizar.
A sessão de 13 de agosto de 2025 será lembrada como aquela em que a fiscalização fugiu pela porta dos fundos. Mas ainda pode se tornar um ponto de virada, se quem não fugiu souber transformar a vergonha alheia em providências concretas. Afinal, para cada cadeira vazia no plenário, há milhares de cidadãos cheios de perguntas — e sem nenhuma paciência para mais um silêncio conveniente.