
O “presente” do ex-imperador

Em Palmeira dos Índios, há presentes que chegam embrulhados não em fitas douradas, mas em poeira de ruas esburacadas e na torneira seca que insiste em cuspir ar. Em 2021, o então prefeito — que a história local batizou, com ironia, de ex-imperador — assinou o papel que entregou, por quatro décadas, os serviços de água e esgoto da cidade ao consórcio Águas do Sertão. Por essa “jóia da coroa” recebeu mais de R$ 106 milhões. Um valor que, na boca de qualquer gestor comprometido, poderia soar como sinônimo de avanço. Mas, até hoje, o povo segue perguntando: onde está esse dinheiro?
E aqui começa a mágica, ou melhor, a ilusão. Como num truque mal ensaiado, o dinheiro desapareceu no ar, sem que uma prestação de contas clara tenha sido mostrada. O cofre se abriu, a verba entrou, e o silêncio se instalou. Silêncio este que, ao longo do tempo, foi se transformando em indignação — afinal, não se trata de troco esquecido na gaveta, mas de um valor que poderia ter mudado a face da cidade.
A ironia é que, passados quatro anos da venda, o “presente” do ex-imperador começa a ser realmente sentido pela população. Mas não na forma de obras grandiosas, saneamento digno ou água limpa correndo pelo encanamento. Não. O presente chega em setembro, em forma de boleto mais caro, de tarifa reajustada. O povo pagará mais, muito mais, por um serviço que continua irregular e, para muitos, inexistente.
Ouvi um outro dia a seguinte frase: “Esse dinheiro não pertenceu ao ex-prefeito nem pertence a esta gestão. Pertence ao povo de Palmeira dos Índios.” É um tipo de frase que deveria ecoar nas paredes do Executivo, mas que, até agora, não arrancou respostas concretas da prefeita. Vereadores deveriam acionar o Ministério Público, mas até agora nada. O povo, este, já se sente acionado todos os dias pelo peso do descaso.
Enquanto isso, bairros e povoados como Riacho Santo, Monte Alto e Lagoa do Caldeirão vivem na pele o resultado dessa matemática cruel: menos água, mais custo. Poços sem manutenção, torneiras secas, caminhões-pipa improvisando um socorro que deveria vir da rede regular. E as obras de saneamento, que deveriam ser motivo de alívio, tornaram-se pesadelo: arrastam-se por semanas, quebram calçadas, deixam buracos que se transformam em armadilhas, e quando finalmente cobertas, a pavimentação “esfarela” como se fosse feita de biscoito.
O Executivo até ensaiou um ato de coragem, ameaçando suspender o alvará da concessionária. Mas a Águas do Sertão, munida de mandado de segurança, seguiu cavando — não apenas o solo, mas também a paciência do cidadão. No fim, a equação é simples e dolorosa:
Recebemos R$ 106 milhões.
Não sabemos para onde foi o dinheiro.
A água continua faltando.
A tarifa vai subir.
É como se o ex-imperador, antes de deixar o trono, tivesse embrulhado um presente com uma fita vistosa e o entregado à cidade. Dentro da caixa, no entanto, havia apenas um recibo: “A fatura será paga pelo povo”. Setembro está aí, e a conta chega junto.
O povo de Palmeira dos Índios esperava água. Recebeu sede. Esperava obras. Recebeu ruas destruídas. Esperava transparência. Recebeu silêncio. E este é o tipo de presente que não se agradece — se devolve, de preferência nas urnas. Porque, no fim, talvez a única forma de romper com esse ciclo seja impedir que, no futuro, outro “imperador” apareça, prometendo um reino de fartura e entregando apenas a herança amarga de um contrato mal explicado.
Afinal, há brindes que se recusam, e esse, infelizmente, foi aceito sem que ninguém lesse a bula. O resultado está aí, escorrendo lentamente pelas mãos da cidade — e não é água. É descaso. É o preço de um presente envenenado.