
A festa que custa caro à cultura

Num país em que se aprende a dançar antes de aprender a ler — e a cantar antes de entender o que se canta —, festejar virou política de governo. Mas em Palmeira dos Índios, a dança virou despesa, o canto virou débito, e o palco virou improviso. É curioso, para não dizer trágico, observar que a tal “Capital da Cultura”
parece viver de faixas estampadas e contratos superfaturados, enquanto sua essência cultural apodrece nos cantos das repartições.
É julho ainda — ou seja, mal cruzamos a metade do calendário — e já se rompeu o teto dos gastos com festas. O orçamento aprovado pela própria gestão municipal previa, para o ano inteiro de 2025, R$ 2,8 milhões para a realização de festejos. Só o Festival de Inverno, aquele que se pinta como vitrine do calendário turístico e cultural da cidade, levou embora R$ 2,775 milhões em cachês de artistas — muitos dos quais não sabem sequer onde fica Palmeira. E para montar o espetáculo? Mais R$ 330 mil em estrutura de som, palco, camarotes e luzes. Resultado: um estouro de contas antes mesmo da segunda quinzena do ano começar.
Não foi o Carnaval, nem a Semana Santa, nem São João, nem a celebração de Frei Damião realizada em Maio no Distrito de Canafístula que causaram a explosão orçamentária. Eles foram apenas os confetes da conta. Porque a conta mesmo veio com a irresponsabilidade contínua de quem governa como se governasse um trio elétrico — com muito barulho na frente e uma longa fila de pendências atrás.
E o que mais fere nessa história não é o gasto em si, mas o contraste. Porque se Palmeira dos Índios fosse mesmo a “Capital da Cultura”, como a propaganda insiste em repetir, então onde está o cinema municipal? Onde se esconde o teatro da cidade? Onde repousa o espaço fixo para a realização dos tais festejos que custam milhões? Não há. O que há são praças adaptadas, ruas interditadas, tablados improvisados e uma ausência gritante de estrutura permanente.
Cultura que é cultura se constrói com raízes, e não com camarotes. Não há grupos teatrais apoiados pela prefeitura. Não há escola municipal de música — embora haja uma orquestra que, de vez em quando, é convocada para tocar um frevo ou um hino diante de plateias oficiais, servindo mais como adereço do que como agente de formação cultural. A orquestra toca, o povo dança, os cofres esvaziam.
Palmeira, que já foi berço de Graciliano Ramos, de Jofre Soares, de músicos e poetas, hoje mal abriga suas próprias memórias. A Casa de Graciliano foi restaurada, é verdade, mas não pela prefeitura — foi salva pelo IPHAN e recursos federais. O restante dos equipamentos públicos segue largado à própria sorte. Prédios caindo aos pedaços, espaços culturais reduzidos a depósitos de silêncio, e o orgulho local virando passado.
Os números oficiais gritam o que muitos já cochichavam. Mais de R$ 3,7 milhões gastos até agora em 2025, quando o orçamento legal previa R$ 2,8 milhões. Isso sem falar nas outras áreas da cultura que seguem órfãs: nenhuma biblioteca pública nova, nenhum investimento em oficinas de formação artística, nenhum programa de incentivo à literatura, à dança, ao audiovisual. A gestão compartimentada de Júlio Cezar e sua sucessora, Luísa Duarte — que assumiu com o apoio e o apadrinhamento do ex-prefeito — gasta como se a cultura fosse apenas aquilo que sobe ao palco por uma noite, mas se esquece do dia seguinte.
E não é apenas uma questão de gosto. É questão de legalidade. Porque, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, o gestor que ultrapassa o limite orçamentário sem previsão e impacto financeiro adequado comete uma infração grave. E segundo a Lei de Improbidade Administrativa, pode até ser punido com perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e multa.
Mas quando a banda passa e o som é alto, quem ouve o alerta do Tribunal de Contas? Quem presta atenção nas planilhas da Secretaria de Finanças? Poucos. A festa segue, os contratos se multiplicam, os artistas locais assistem de longe. E a cidade, essa sim, vai pagando a conta. Uma conta que não fecha.
Não se trata de ser contra festas. Ninguém quer transformar Palmeira num mosteiro. Mas é preciso que a festa não seja a única política cultural. É preciso que o dinheiro da cultura gere cultura — e não apenas espetáculo. É preciso que a cidade que se orgulha de seus filhos ilustres não vire uma madrasta para seus talentos anônimos.
Enquanto não houver planejamento sério, respeito à lei, estrutura permanente e valorização do que é da terra, Palmeira dos Índios continuará sendo, no máximo, a capital das festas passageiras. Uma cidade onde a cultura não mora, só visita de vez em quando — e, ainda por cima, com cachês milionários.