Quando o bom jornalismo incomoda

22/07/2025 23h11 - Atualizado em 23/07/2025 00h12
Quando o bom jornalismo incomoda


Dizem que a melhor maneira de saber se um jornalista está no caminho certo é quando ele passa a ser alvo daqueles que mais gostariam de manter seus segredos trancados a sete chaves. Há um certo tipo de barulho que só o silêncio dos corruptos é capaz de fazer: o ranger de dentes de quem foi pego com a mão no erário, o tilintar nervoso dos talheres nas bocas de quem há muito se habituou a banquetear-se com dinheiro público, e o rangido da cadeira de quem achava que nunca seria incomodado. E então, de repente, chega a manchete.


É curioso como o bom jornalismo não precisa berrar para fazer estrago — ele apenas precisa mostrar. Um contrato mal explicado, uma obra superfaturada, uma nomeação escusa. A notícia, muitas vezes, vem sem adjetivo, sem indignação explícita, mas traz em si a contundência de um tapa de realidade. Quando o jornalista investiga, apura, checa, confronta, expõe — e tudo isso com respeito à ética, à técnica e à verdade — ele planta uma semente que, ao invés de florescer em aplausos, costuma frutificar primeiro em ataques.


Porque a verdade, meu amigo, tem o péssimo hábito de desorganizar os conchavos.


E é aí que o bom jornalismo revela sua força. Ele não se sustenta com a bajulação dos poderosos — ao contrário, se alimenta da desconfiança sistemática. É perseguido, difamado, às vezes ameaçado. Tentam desqualificar a fonte, atacar o mensageiro, pulverizar a credibilidade. “É politicagem!”, gritam. “É inveja!”, berram. “É fake news!”, repetem em uníssono os que, até outro dia, se beneficiavam de uma imprensa silente.


Mas os fatos são teimosos. Persistem mesmo depois da tentativa de apagá-los.


Há uma beleza silenciosa no jornalismo que não se curva: ele incomoda. Porque jornalismo bom não se mede apenas pela audiência, mas pela irritação que causa nos que têm algo a esconder. E se a matéria causou desconforto, se o editorial rendeu chilique no gabinete, se o vereador respondeu atravessado no plenário, é provável que a notícia tenha cumprido sua missão.


A verdade não tem dono, e quando a imprensa serve ao cidadão, ela se torna o último reduto de esperança num mundo em que a mentira veste terno, bate ponto e aperta mão em eventos oficiais.


O jornalista de verdade — aquele que trabalha com o espírito público, que escreve com a caneta da responsabilidade e apura com a lupa da consciência — sabe que não escreve apenas linhas: ele assina um pacto diário com a democracia.


E a democracia, por sua vez, devolve em frutos. Frutos que às vezes demoram a amadurecer, é verdade. Pode levar anos para que a denúncia vire processo, para que a injustiça vire reparação, para que o corrupto perca o foro e finalmente veja a luz da Justiça. Mas os frutos vêm. Sempre vêm. E vêm doces, como o reconhecimento popular, como o retorno da confiança no jornal, como o simples “obrigado” de quem se sentia invisível até ver seu problema estampado na manchete.


O bom jornalismo é esse solo fértil que muitos tentam cobrir com cimento — mas basta uma rachadura para que a verdade germine e floresça, mesmo sob concreto.


E quando isso acontece, não há gabinete, não há blindagem, não há rede social que resista. Porque a imprensa que trabalha pelo povo, com coragem e dignidade, é como a chuva no sertão: pode demorar, mas quando chega, ninguém segura os frutos que ela faz nascer.