As ruínas do reino das águas podres

22/07/2025 01h01
As ruínas do reino das águas podres

Houve um tempo em que Palmeira dos Índios sonhou em ser moderna. Sonhou em ter saneamento digno, ruas planas, passeios seguros. Sonhou alto, mas acordou com os pés afundados na lama — ou no esgoto. A realidade, hoje, é um buraco. Literalmente.

Basta caminhar por qualquer bairro da cidade para testemunhar o caos urbano em sua forma mais pura: crateras abertas, ruas mutiladas, calçamentos remendados como retalhos de um tapete velho, poeira em tempo seco, lama quando chove. E no centro desse cenário distópico está uma sigla que virou palavrão entre os moradores: Águas do Sertão, da poderosa Conasa.

Vieram com promessas. Diziam que seria um divisor de águas — e foi. Separaram os que ainda conseguem andar de carro dos que ficaram a pé, separaram o planejamento urbano do improviso grotesco. E tudo isso começou com um contrato milionário, selado pelas mãos do então prefeito Júlio Cezar, o autointitulado imperador de Palmeira.

Sim, R$ 106 milhões de reais. Essa foi a cifra vendida como salvação, mas que se tornou sentença. Com uma canetada, o ex-gestor entregou à gestão estadual e à iniciativa privada o controle do serviço de abastecimento e esgotamento da cidade. Um cheque em branco que seria descontado, com juros e escárnio, nos bolsos e calçadas do povo.

O povo, aliás, não viu nem sombra de prestação de contas sobre o destino desse dinheiro. Nenhum relatório convincente, nenhuma audiência pública de verdade. Tudo foi abafado com o mesmo silêncio cúmplice dos vereadores, aqueles que deveriam fiscalizar, mas preferiram a função decorativa de bajular.

Hoje, quem comanda o município é a tia do ex-imperador, Luísa Duarte — e comanda do mesmo jeito que uma sombra comanda o sol: está lá, mas sem força. A fiscalização, que deveria ser linha de frente contra os abusos da Conasa, virou letra morta. Ninguém freia as retroescavadeiras da destruição. Ninguém exige recomposição decente das vias públicas. E os que sofrem são sempre os mesmos: os moradores, os comerciantes, os motoristas e as crianças que brincam entre entulhos e valas abertas.

É como se a cidade tivesse sido rifada em um leilão político, em que o povo só entrou como figurante. Os que deveriam cuidar do patrimônio público, agora lavam as mãos com a mesma água que não chega às torneiras — mas que escorre pelos esgotos mal tapados, pelas ruas afundadas, pelos cofres mal explicados.

Palmeira dos Índios, hoje, é um monumento à omissão. Uma crônica viva do abandono. E Julio Cezar, mesmo fora da cadeira, continua presente como herança maldita, como assinatura em cada buraco, como fantasma que ronda as promessas quebradas.

E o povo? O povo ainda paga caro. Paga na conta de água. Paga no alinhamento do carro quebrado. Paga com a saúde, com a indignação engasgada. Paga com a impotência diante de um sistema que virou negócio para poucos e tragédia para muitos.

No fim, a cidade foi cavada por máquinas, mas quem cavou mesmo o abismo foi a política. Uma política que enterrou o futuro em nome de um império de areia, que desmorona à primeira chuva.

E os senhores feudais continuam soltos — impunes e, pior, prontos para voltarem como salvadores.

Mas que ninguém se engane: as ruas falam. E elas gritam. Cada buraco é um voto de protesto. E cada morador que desvia da lama está, no fundo, desviando da mentira. O império pode cair. Só precisa que o povo acorde e pare de construir castelos com os entulhos que lhe restaram.