Miss simpatia

Crônica

08/06/2025 09h09 - Atualizado em 08/06/2025 19h07
Miss simpatia
Cena do filme "Miss Simpatia" (2001), de Donald Petrie

Tem um tipo de vídeo que sempre me arranca risadas. Não importa o humor do dia: basta começar aquele trecho da fase de perguntas nos concursos de beleza e pronto — lá estou eu, rindo sozinho como quem reencontra uma velha piada de infância. O cenário é sempre parecido. Candidata no centro do palco, vestido cintilante, maquiagem à prova d’água, batom vermelho, e um jurado de semblante grave segurando o microfone como se estivesse prestes a anunciar o fim do mundo. A pergunta vem carregada de solenidade, e é aí que começa o verdadeiro espetáculo.

Elas são inquiridas como se estivessem diante de uma sabatina no Senado. O tom é sério, quase intimidante. Às vezes, parece que a candidata está sendo convidada a resolver um conflito no Oriente Médio ou explicar, de improviso, um conceito da filosofia kantiana. Há uma obsessão pelo grandioso. Misturam tempo, esperança, sociedade, meio ambiente e empatia em frases tão complexas que a própria entonação do jurado vacila. Em muitos casos, nem ele parece entender exatamente o que acabou de dizer.

A candidata, então, respira fundo. Olha para a plateia, ajusta discretamente o vestido, finge calma. E começa. A estrutura é clássica: repete parte da pergunta, usa palavras como “importante”, “fundamental”, “acredito que”, e segue tentando montar uma linha de raciocínio coerente. Quem já prestou vestibular ou tentou escrever uma redação do Enem reconhece o método. A diferença é que aqui não há rascunho. Tudo acontece ao vivo, com trilha sonora genérica e, em muitos casos, um CD aleatório com músicas que remetem à clássica coletânea Summer Eletrohits, luz na cara e a expectativa de que algo “memorável” esteja por vir.

É aí que nascem as pérolas e os futuros memes. Respostas que começam com intenções nobres e terminam num labirinto de ideias soltas. Frases que tropeçam em metáforas, provérbios populares transformados em tese, menções à paz mundial que se embaralham em palavras que faltam. Não é um erro. É quase uma arte. Como se o improviso tomasse as rédeas da situação e conduzisse tudo para um território onde lógica, garbo e emoção brigam por espaço.

Mas não se trata de deboche. O que me faz rir é, na verdade, uma ternura disfarçada — ou, para não dizer, uma cara de pau admirável. Aquela tentativa sincera de acertar. O esforço de parecer segura, articulada, profunda. A gente assiste sabendo que não importa tanto o conteúdo, e sim o “desempenho”. É o como se diz que vale. E há algo ali que, na falta de outra palavra, posso chamar de inebriante.

O mais curioso é que tudo acontece sem ironia. Não há piscadelas para a câmera, nem risos envergonhados. E, por mais que para muitos possa soar ridículo, só há entrega. A candidata pode não saber o que é geopolítica internacional, mas fala da importância do amor entre os povos com uma convicção que derrubaria ministro em sabatina. Fala de solidariedade como quem já ganhou o Nobel da Paz. E, no fim, o público embarca. Porque, mesmo que haja um culto desnecessário ao belo e ao padrão, há também uma beleza em ver alguém tentando com tanta vontade. Mesmo quando a resposta escapa, mesmo quando a língua tropeça, o gesto continua firme.

Talvez por isso esses vídeos mexam tanto com a gente. Porque há algo de muito brasileiro nessa maneira de transformar o improviso em resposta, a insegurança em performance. Rimos porque reconhecemos. A vida, afinal, também é cheia de perguntas sem muito sentido, feitas sob pressão, com luz forte na cara e gente olhando da plateia. E, se a gente conseguir sair dela com um pouco de graça, um pouco de brilho e um vestido cheio de lantejoulas, já está bom demais.