
A vergonha de ser honesto

Disse Rui Barbosa, em 14 de dezembro de 1914:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
Mais de um século se passou desde que essas palavras foram ditas — mas, curiosamente, elas nunca pareceram tão atuais. Rui parece ter enxergado o que viria muito antes que qualquer de nós imaginasse. Ele escreveu para sua época, mas escreveu para a nossa também. E, talvez, para muitas que ainda virão.
Vivemos hoje uma era de inversões. A nulidade tornou-se influente, a desonra virou moeda de troca, a injustiça já não espanta, e os maus, ah… os maus estão confortáveis em palácios, cercados de bajuladores e blindados por sistemas que deveriam nos proteger deles.
O resultado é esse desalento que escorre pelas esquinas. Gente de bem que começa a duvidar de si mesma. Jovens que já não acreditam na honestidade como caminho. Trabalhadores que desconfiam da própria dignidade porque o mundo parece premiar justamente o contrário.
E é aí que a frase de Rui Barbosa volta como um soco no estômago: o homem chega a ter vergonha de ser honesto.
Isso não deveria acontecer.
Mas acontece. Porque a honestidade, hoje, custa caro. Ser correto exige paciência, resistência e, muitas vezes, solidão. É remar contra a correnteza de um mundo em que o “esperto” é aplaudido, o “malandro” é exaltado, e o “honesto” é, no máximo, tolerado — isso quando não é ridicularizado.
Contudo, é justamente nesse tempo de trevas que a luz da virtude precisa brilhar com mais força.
Ainda há quem se levante cedo para trabalhar com dignidade. Ainda há professores que educam por paixão, garis que limpam com orgulho, agricultores que plantam com fé. Ainda há quem lute, calado, para manter acesa a chama da decência.
É nesses rostos anônimos que mora a esperança de um país diferente.
Rir-se da honra é perder o senso. Desanimar da virtude é entregar os pontos. Ter vergonha de ser honesto é abrir mão de tudo que ainda pode nos redimir como nação.
Rui Barbosa nos deixou o alerta. E talvez a sua frase precise hoje mais do que nunca ser repetida, compartilhada, colada nas paredes das escolas, ecoada nas tribunas, murmurada nas praças, e lida nos jornais — como um grito contra a acomodação, contra o cinismo e contra a rendição.
Porque ser honesto não deveria ser exceção.
Deveria ser regra.
Deveria ser orgulho.
Deveria ser, acima de tudo, o primeiro passo para um país que ainda deseja se encontrar.