Quando a cidade perde um pouco de sua alma popular

24/03/2025 22h10
Quando a cidade perde um pouco de sua alma popular

Palmeira dos Índios amanheceu mais silenciosa. Não porque faltaram buzinas, conversas ou passos nas calçadas — mas porque uma voz se calou. Uma voz sem microfone, sem palanque, sem pretensões. Uma voz que era da rua, do povo, da Palmeira raiz. Carlinhos, o nosso querido “Duzentos”, partiu. E com ele, mais um pedaço da alma da cidade vai embora.


Ele não foi vereador, prefeito, muito menos empresário. Mas quem disse que é preciso algum desses cargos ou posições para ser lembrado, para ser querido, para ser... necessário? Carlinhos era um desses personagens que nascem de dentro do povo. Um ser folclórico, sim — mas não no sentido de caricatura. Era um tipo genuíno, autêntico, desses que fazem da irreverência uma filosofia de vida, e da alegria, uma forma de resistência.


Todo mundo conhecia “Duzentos”. Uns o chamavam de Carla Bianca, outros apenas de Carlinhos. Mas independentemente do nome, o que ninguém ignorava era sua presença. Ele era daqueles que preenchiam qualquer espaço — com um comentário espirituoso, com um abraço ou um cumprimento afetuoso, com uma gargalhada solta no meio da praça. Era funcionário da prefeitura, mas seu cargo real era outro: guardião da memória afetiva da cidade.


Palmeira dos Índios está, pouco a pouco, perdendo os seus pilares invisíveis. Gente como Carlinhos, que construiu laços com todos sem precisar de redes sociais, sem discursos prontos, sem artifícios. Ele era presença. Presença constante. Nas festas, nas ruas, nos carnavais improvisados, nos bastidores da vida cotidiana.


A morte de Carlinhos é mais que uma nota triste. É um aviso. De que a cidade está mudando rápido demais, deixando pra trás figuras que, mesmo simples, sustentaram durante anos a essência palmeirense. Cada vez que alguém assim se vai, a Palmeira raiz — essa que tem cheiro de feira, daquele barulho distante do coreto e risada solta em frente à igreja — se desfaz um pouco mais. Vai escorrendo pelas beiradas do tempo, como a água da chuva que desce o beco e some no ralo da pressa.


É preciso parar. Respirar. Olhar pra trás com carinho e respeito. Valorizar enquanto ainda temos. Registrar as histórias, os causos, os nomes, as almas vivas que moldaram nossa identidade. Porque uma cidade não é feita apenas de praças e avenidas. Ela é feita de gente. De suas figuras, suas lendas vivas, seus afetos ambulantes.


Hoje, damos adeus a um deles. Carlinhos, “Duzentos”, Carla Bianca — não importa o nome que fique nas lembranças. O que importa é o que ele foi: símbolo de um tempo em que viver a cidade era caminhar por ela com o coração aberto.


Vai em paz, Carlinhos. A Palmeira de verdade, aquela que você representou tão bem, se emociona com tua partida. Mas te agradece, do fundo da alma, por ter sido um de seus rostos mais humanos e verdadeiros.


E assim, seguimos... com saudade, mas também com a certeza de que algumas figuras nunca desaparecem de verdade. Elas vivem no que deixaram de riso, de presença e de memória.