Memórias de um Jornalista: o Sertão e o Nordeste pelos olhos de Ivan Barros
Nas páginas de Memórias de um Jornalista, Ivan Barros nos entrega um Brasil profundo, autêntico e cheio de contrastes, que conheceu e registrou ao longo de sua carreira. É um livro que pulsa com a realidade do sertão e do Nordeste, regiões que Ivan eternizou com a maestria de quem, além de jornalista, é também contador de histórias, capturando as cores, o calor e a força de uma gente que, mesmo nas adversidades, se mantém firme.
A coletânea nos transporta para a década de 70, quando Ivan, colaborando com a Revista Manchete a partir do Rio de Janeiro, lançava seu olhar sensível e aguçado sobre temas que, à época, passavam despercebidos pela mídia nacional. Ele buscava as histórias esquecidas e dava voz aos personagens anônimos do sertão nordestino. A aridez da paisagem, as feiras de rua, o vaqueiro solitário, a fé e a luta por sobrevivência ganhavam vida nas páginas da Manchete pelas mãos de Ivan Barros, que sabia transformar o regional em universal, sem perder o sotaque, a essência. Em cada reportagem, ele levava o Nordeste para o Brasil, numa época em que poucos estavam dispostos a olhar para além do eixo Rio-São Paulo.
Mas o livro não é só isso. Ao lado das reportagens marcantes, como o crime do Sacopã e o acidente que na verdade foi o assassinato de JK, Ivan ainda nos brinda com suas colunas e artigos publicados em outros periódicos, como o jornal Luta Democrática, sob o comando do lendário Tenório Cavalcanti, o temido "homem da capa preta". Trabalhar ao lado de Tenório era como fazer parte de um romance policial da vida real, e Ivan, com seu estilo direto, mergulhava nas tensões políticas e sociais daquele tempo, revelando o lado obscuro e fascinante do poder. No Luta Democrática, seu talento para captar a resiliência do povo nordestino encontrava espaço, sempre com a coragem de quem não temia escrever o que precisava ser dito.
O sertão e o Nordeste, retratados por Ivan Barros, são mais do que um cenário; são personagens vivos, que atravessam o tempo e o espaço para dialogar com o leitor de hoje. Nas reportagens alagoanas que também compõem o livro, Ivan resgata o cotidiano do povo de sua terra natal, Palmeira dos Índios, e suas histórias têm a marca da empatia e da proximidade. Ele sabia que, muitas vezes, as histórias mais impactantes não vinham de grandes centros urbanos, mas de cidades pequenas, de vilarejos esquecidos, onde os dramas e as vitórias se desenrolam longe dos holofotes.
Memórias de um Jornalista é, assim, um tributo a um estilo de jornalismo que não se encontra mais. Ivan nos lembra de que o jornalista é também um tradutor das realidades de seu tempo, alguém que enxerga para além do óbvio e traz à tona histórias que, de outra forma, se perderiam na poeira do sertão. Em cada página, ele reafirma o compromisso de sua geração com a verdade e com a identidade de um Brasil que nem sempre é visto – um Brasil nordestino, sertanejo, de homens e mulheres resilientes.
Este livro é mais do que uma coleção de textos; é um legado. Ivan Barros nos faz ver o sertão e o Nordeste como eles realmente são: fortes, belos, complexos e plenos de vida. E, ao terminar a leitura, fica em nós o eco de uma verdade inquestionável: o Brasil precisa desse olhar, dessa memória e dessa escrita. Porque, sem isso, estamos condenados a esquecer o essencial.