Oscar 2022: Troy Kotsur faz história ao ganhar Oscar de Melhor Ator Coadjuvante

28/03/2022 11h11

Troy Kotsur fez história ao ganhar o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e se tornar o primeiro homem surdo e o segundo ator surdo a ganhar um Oscar por atuação.

Kotsur ganhou por seu papel em "No Ritmo do Coração", interpretando o pescador surdo de Massachusetts Frank Rossi. Em 1987, Marlee Matlin, coestrela de Kotsur em "No Ritmo do Coração", foi a primeira e até hoje a única surda a ganhar um Oscar, por seu papel de destaque em "Filhos do Silêncio" (1986), de Randa Haines - coestrelado por William Hurt.

O Oscar de Kotsur vem no final de uma temporada de premiações, durante a qual ele recebeu vários prêmios de melhor ator coadjuvante, ao todo: Gotham, Independent Spirit, Critics Choice, BAFTA e Screen Actors Guild.

“Queria agradecer a todos os maravilhosos palcos de teatro surdo, onde tive a oportunidade de desenvolver meu ofício como ator”, disse Kotsur em seu discurso de aceitação depois de receber seu prêmio pela vencedora de atriz coadjuvante do ano passado, Yuh-Jung Youn.

Kotsur é ator de longa data do Deaf West, uma organização de performance baseada em Los Angeles que produz teatro inspirado na cultura surda, com créditos que incluem: "Our Town", "Spring Awakening"  e "American Buffalo".

Analisando tecnicamente, Kodi Smit-McPhee perdeu espaço para Kotsur, ele vinha como o favorito da temporada de prêmios concedidos pelas associações, sindicatos e organizações internacionais de cinema. Entretanto, nos principais prêmios utilizados como termômetros para o Oscar, Kotsur acabou ganhando protagonismo. Saliento que, ambas as atuações são brilhantes e merecem reconhecimento.

Kotsur concorria ao lado de Ciarán Hinds de “Belfast”J.K. Simmons de “Apresentando os Ricardos”, e a dupla Jesse Plemons Kodi Smit-McPhee de “Ataque dos Cães”.

 

“É incrível estar aqui nesta jornada e que o nosso filme tenha chegado até à Casa Branca. Quero falar a todos os teatros para surdos onde tive a oportunidade de desenvolver a minha atuação. Siân Hender você é a melhor comunicadora que conheço”, disse o ator no seu discurso ao falar sobre a diretora de “CODA”.

“Meu pai era o que melhor se comunicava na nossa família e sofreu um acidente de carro que o deixou paralisado da cintura para baixo. Você será sempre o meu amor. Este prémio é dedicado aos surdos, aos filhos de surdos e às pessoas com deficiência. Eu consegui”, completou.

 

Kotsur dedicou o prêmio à comunidade surda, à comunidade de filhos de pais surdos e à comunidade das pessoas com deficiência. “Isso é dedicado à comunidade surda. A comunidade CODA. A comunidade com deficiência”, concluiu Kotsur. “Este é o nosso momento.”

 

PARTICIPAÇÃO EM “NO RITMO DO CORAÇÃO”:

No longa, ele interpreta Frank Rossi, um homem surdo que lidera um pesqueiro, em Massachusetts, e lida com a filha Ruby (Emilia Jones), intérprete da família que planeja mudar de vida e estudar em uma faculdade de música.

A atriz Marlee Martin, que interpreta sua esposa, foi a primeira pessoa surda a ser indicada e vencer um Oscar. Ela concorreu em 1987 e ganhou o prêmio de Melhor Atriz pela atuação em “Filhos do Silêncio” (1986), de Randa Haines.

Em sua destacada atuação em "No Ritmo do Coração", Kotsur tem apenas uma frase falada, mas, felizmente, é uma frase maravilhosa. Ao incentivar a filha, interpretada por Emilia Jones, a perseguir seus sonhos de cantar e ir para a faculdade diz emocionado em voz alta: “Vá!”.

Para ele, essa única palavra exigiu muito ensaio e coragem para pronunciar algo que ele mesmo não podia ouvir em um set de filmagem. Mas ele já havia feito isso antes. Anos atrás, como Stanley Kowalski em uma produção do Deaf West Theatre de “Um Bonde Chamado Desejo”, exclamava “Stella!”, noite após noite.

 

“Às vezes eu pergunto ao público como é a minha voz”, disse Kotsur em linguagem de sinais em entrevista à Jake Coyle.

 

Historicamente falando, Kotsur é apenas o segundo ator surdo a ganhar o Oscar. E, com o “Vá!”, ele espera que sua conquista ressoe como inspiração.

 

“Espero que os jovens surdos ou com deficiência auditiva possam se tornar mais confiantes e inspirados a perseguir seus sonhos”, comentou Kotsur. “Quero que essas crianças não se sintam limitadas.”

 

“Ser indicado e receber prêmios, torna-se histórico. Muitas gerações podem olhar para trás e ver isso como um momento de destaque”, disse Kotsur ao portal The Hollywood Reporter mês passado. Na ocasião, ele relembrou que sua colega de elenco, a atriz Marlee Matlin foi a única surda a ganhar o Oscar de Melhor Atriz – Kotsur foi o primeiro ator surdo nomeado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

"No Ritmo do Coração" ascendeu Kotsur à grande cena hollywoodiana, enquanto faz história para a comunidade surda. Felizmente, a enxurrada de elogios tem sido desconcertante. Vale lembrar que quando foi nomeado para o BAFTA, comemorou tanto que caiu da cadeira. Aceitando o prêmio Gotham de Melhor Ator Coadjuvante, ele falou à multidão que não estava sem palavras, mas “absolutamente incapaz” de se expressar no momento.

“É simplesmente avassalador”, afirmou Kotsur sobre a aclamação. “É impressionante. Sinto que posso morrer feliz, com um sorriso no rosto”. Como citamos acima, a única pessoa que passou por algo semelhante foi sua colega de elenco Marlee Matlin.

 

CAMINHADA AO ESTRELATO:

A longa caminhada de Troy Kotsur até ao Oscar começou, segundo ele, na escola primária. Com pouca programação de televisão acessível a ele, adorava desenhos animados altamente visuais como “Tom e Jerry” e os contava alegremente para seus colegas surdos no ônibus. Seu pai, um chefe de polícia, mais tarde o chamaria carinhosamente de “temerário” por começar a atuar. Kotsur estudou atuação na Universidade Gallaudet e depois excursionou com o Teatro Nacional de Surdos.

Frequentando a Universidade Gallaudet, a única escola de artes liberais para surdos dos Estados Unidos, Kotsur encontrou um departamento de teatro forte e acolhedor. A partir daí, ele começou a fazer turnês com grupos de teatro, acabando por desembarcar no Deaf West Theatre uma companhia de teatro sem fins lucrativos de Los Angeles, fundada em 1991. Ele esperava entrar no cinema e na televisão enquanto morava em “Hollywoodland”, como ele diz, mas isso não aconteceu, e depois de décadas de tentativas, ele e sua família se mudaram para Phoenix.

Pois é, apesar de ser formado em atuação, Kotsur teve poucas oportunidades na TV e no cinema – havia poucas vagas disponíveis para atores como ele, nisso, ele acabou encontrando liberdade e estabilidade no teatro. Sua carreira nos palcos iniciou com Of Mice and Men em 1994, ao longo dos anos, ele atuou em cerca de 20 produções da Deaf West – em uma dessas peças, conheceu sua esposa, a atriz Deanne Bray.

Entre os destaques no Teatro, ele interpretou Cyrano de Bergerac, na peça – “Cyrano de Bergerac – escrita em 1897 por Edmond Rostand, baseada na vida de Hector Savinien de Cyrano de Bergerac, escritor francês, encenada pela primeira vez em 27 de dezembro de 1897, e estrelou "American Buffalo–  peça em dois atos de David Mamet.

A diretora Siân Heder viu Kotsur pela primeira vez em duas peças do Deaf West, em "At Home in the Zoo", peça escrita por Edward Albee (1928-2016) e "Nossa Cidade", peça escrita por Thornton Wilder (1897-1975) – encenada pela primeira vez em janeiro de 1938 e adaptada por Wilder para o cinema em 1940.

 

LUTA POR VISIBILIDADE:

A nomeação de Kotsur ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante chega num momento em que pessoas com deficiências e limitações estão sendo cada vez mais incluídas em produções hollywoodianas, como exemplo, em filmes: “O Som do Metal" (2019), de Darius Marder“Eternals” (2021), de Chloé Zhao e “Um Lugar Silencioso”, de John Krasinski (2018) e nas séries  “Estação Onze”, da HBO e “Gavião Arqueiro”, da Disney +. No mundo, estima-se que 360 milhões apresentam algum grau de surdez. Essas informações são muito relevantes e refletem a necessidade quanto ao desenvolvimento de ações inclusivas, capazes de atender milhões de pessoas.

Nessa perspectiva, o caminho para a inclusão mais efetiva em expressões artísticas como o teatro, o cinema e a TV ainda é longo. Os motivos são vários, entre eles estão o preconceito, a falta de oportunidades, de acessibilidade e, por consequência, a sensação, por uma parcela dos deficientes visuais e auditivos, de que não haveria espaço para eles.

O próprio Kotsur estava acostumado a ver personagens surdos vitimizados e unidimensionais, mas "No Ritmo  do Coração" apresentava algo que ele raramente tinha visto. Os Rossis de "No Ritmo  do Coração" podem ter de trabalhar um pouco mais, mas são uma família como qualquer outra, com conversas divertidas à mesa e brigas casuais. O Frank de Kotsur também é um pouco libidinoso e profano. Em uma cena em que fala à filha sobre sexo seguro, ele imita um soldado colocando um capacete.

Kotsur que sempre viu outros atores xingarem, se divertiu com a vulgaridade de seu personagem. Ele orgulhosamente se lembra do cabo de guerra do filme com a Motion Picture Association of America (MPAA) depois que "No Ritmo  do Coração" quase recebeu uma classificação R (exigindo que menores de 17 anos assistam acompanhados de um dos pais ou responsável).

Mas para Kotsur, Frank é como um surdo de verdade: “Um surdo trabalhador que simplesmente sobrevive”, disse em entrevista concedida à Jake Coyle.

“Quero que o público tenha uma perspectiva diferente. Quero que eles se livrem de suas noções preconcebidas de como são os surdos”, aconselhou Kotsur. “Existem médicos surdos. Há advogados surdos. Há bombeiros surdos. Muitas pessoas ouvintes não percebem isso”, concluiu Kotsur à Jake Coyle.

 

PÓS- PARTICIPAÇÃO EM “NO RITMO DE CORAÇÃO”:

Podemos ver Kotsur na série The Mandalorian, da Disney +, como um Tusken Raider, para o qual desenvolveu sua própria linguagem de sinais. Outros papéis aguardam, assim como uma esperada turnê de palestras para crianças e aspirantes a atores surdos. Mas, por enquanto, ele absorve tudo o máximo que pode. Por fim, Kotsur é um pioneiro. Graças a ele e a Matlin poderá haver mais oportunidade de trabalho para atores e atrizes, que acontece serem surdo(a)s.