Reflexão

25/01/2022 21h09
E então, abro a janela da minha sala e vejo a imensidão do mar, paisagem que desde criança vislumbro incansavelmente. Daqui vejo também ruas desertas, e ouço os gritos desesperados das sirenes que passam, aliás, o som mais comum dos dias atuais. Pensei em escrever um diário desses últimos meses, do último ano, mas aí seria relatar a solidão fria, a prisão involuntária minha e de muitos outros que estão solidários comigo, vivendo a angústia dessa pandemia. Comecei a priorizar coisas que tinha que fazer e passaram despercebidas por falta de tempo (hoje, tempo é o que não falta), ou vontade que não havia e até mesmo falta de oportunidade. Escolhas banais foram surgindo em minha cabeça e eu tomei ciência de que era hora de me organizar e de forma diferente. Rasgar papéis, mudar móveis de canto, dá uma mão de tinta em alguma parede, arrumar gavetas e pensamentos. Não havia hora, toda hora era tempo. Pensar, pensar… Vê filmes? Assistir “vale a pena ver de novo” novamente, e o que sobrou de tudo isso? Notícias, cada vez mais presentes sobre a calamidade que toma o mundo, nos telejornais, nos boletins das rádios, e esses gritos de socorro das sirenes das ambulâncias, pra lá e pra cá. Chega! Esse tempo que não passa… E o abraço que não chega, e os amores distantes, mascarados, sem toque de mãos, sem cheiro conhecido. É difícil. Está difícil. Aí vem o pensamento do cuidar, para isso é preciso se distanciar, mas não se tornar invisível, nem sombra. É cultivar outros modos de se manter presente, de continuar conquistando o que já temos, conquistar todos os dias, procurar detalhes, envolver-se numa luz que só podemos tirar de nós mesmos. Não seremos os melhores, mas estaremos aprendendo, não vamos nos tornar bons de uma hora para a outra, mas estamos no caminho. E novamente o dia se vai, a tarde cai e a noite chega. Com ela a saudade do aconchego, das palavras fáceis e de um tempo de liberdade. Estamos no casulo dos nossos pensamentos, cuidando para não enlouquecer. Uma lágrima que escorre pelo rosto, camuflada pela máscara, companhia constante dos últimos tempos. Mas enfim, o coração suspira na delicadeza do peito, que daqui a pouco, amanhã ou depois, vamos tirar a máscara e respirar vida.