Onde ela estava?

11/10/2021 08h08
 

Helena despertou atordoada. Não sabia onde estava. Um frio devastador percorreu todo o seu corpo. Sua visão estava turva. Tudo muito claro e, ao mesmo tempo, escuro demais. Voltou a deitar-se, enquanto sentia seu corpo congelando aos poucos, como a cena épica de um navio que naufraga. Veio-lhe à memória a imagem de Paulo. Ainda não compreendia o que estava fazendo naquele lugar. Não aparecia ninguém para sanar suas dúvidas.

Sentou-se novamente. E a memória lhe foi retornando aos poucos... A voz exaltada de Paulo, a mão que lhe apertando o braço, o esmurro, o sangue quente escorrendo do seu rosto, como tantas lágrimas anteriormente derramadas. Viu-se no chão. E já não viu mais nada. Acordou desnorteada, sem compreender onde estava.

Aproveitando o tempo que tinha, sem que alguém viesse vê-la, começou a conversar com uma jovem que dormia ao seu lado. A jovem não lhe dava atenção, mas Helena já se acostumara a tagarelar sozinha, em casa, apenas sua gata Laninha ouvia sua voz a conversar pelos cantos.

Helena contou para a moça sobre um grande amor de sua infância: Paulo. Eles moravam a duas quadras do antigo colégio que frequentavam todos os dias; bastava dobrar a esquina e já se encontravam. Assim cresceram, até que a adolescência trouxe à tona algo a mais... Um sentimento bonito, porém cheio de contradições.

Helena trazia luz em seus olhos. Uma jovem doce e de uma educação eclesiástica. Cheia de sonhos, queria mudar o mundo. Bondosa, sã e feliz.

Apaixonada pelo menino Paulo, este que era inteligente, sociável, mas com uma personalidade volátil, pois mudava de comportamento como a velocidade das ondas com o passar das horas. Após vencerem a fase do amor ágape, Paulo começou a fazer pequenos pedidos que ressoavam como exigências. Mesmo assim, Helena acatava a todos.

Já não se vestia nem andava e sorria como antes... Aliás, já nem falava mais. Cultivava a esperança de que ele, certamente, mudaria. Não mudou. O relacionamento piorou. Mas o casamento chegaria em breve e tudo, tudo ficaria bem.

O casamento chegou cercado de boas promessas, regado por vinhos importados, presentes caros e uma cerimônia que valeria muito mais que o dote de Helena. Ela viveu seu sonho com todos os detalhes que imaginou a vida inteira. Estava tudo perfeito!  até o momento em que saíram da cerimônia.

Já em casa, após as núpcias, viveu uma vida de prisioneira. Mal saía, sua área de convivência resumia-se aos metros quadrados que sua casa alcançava. Longos anos de submissão até que veio Marília. Meses de alegria. Até o fim da trégua de Paulo. Cada vez mais estressado, descarregava sua fúria em Helena, que já não suportava mais.

Então, resolveu traçar seu plano de fuga e aguardou a próxima viagem do marido. Tudo parecia dar certo até que...

Na manhã de sexta-feira, Paulo saiu para mais uma de suas viagens misteriosas e jamais comentadas em casa. Helena, rapidamente, pegou a bagagem embaixo da cama, aprontou Marília e ligou para sua mãe para anunciar a partida.

Quando se dirigia para a porta, foi surpreendida por Paulo, que havia deixado sua pequena mala sob o sofá. Diante da cena que presenciava, Paulo, enfurecido, avançou em Helena, ignorando a pequena Marília que, aos gritos, escondeu-se no quarto. Helena sentiu a fúria de Paulo em seu mais elevado nível. Apagou.

Agora, naquele misterioso local, o filme de sua vida passou lentamente. Quanta coisa teria sido diferente - pensava ela. Sentiu como se jogasse no mar seu bem mais precioso sob a promessa de uma utópica felicidade.

Sentou-se e avistou alguém vindo. Parecia Paulo, parecia um médico, já não parecia nada... Deitou-se novamente e adormeceu, sem saber onde estava.

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