100 Anos de Paulo Freire – Reconhecido no mundo inteiro, somente no Brasil, foi quase esquecido
Na virada do século XX para o século XXI, quando iniciei meus estudos no Ensino Médio – o Curso Normal, antigo Magistério – tive meus primeiros contatos com a Pedagogia Freireana, o “Método” Paulo Freire. E logo emendei com a Faculdade, no curso de Licenciatura Plena em História, na Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL).
O deleite com suas ideias e pensamentos foram de imediato. Não por seu discurso crítico, contra as classes dominantes, apenas, mas principalmente, por sua coerência pela necessidade a que todos e todas deveriam ter como principal objetivo da Educação, pois, “alfabetizar é mais do que dominar as letras, é se conscientizar também”. E foi aí que percebi a importância de seu trabalho, que, em mim, foi uma verdadeira Tomada de Consciência:
“Se a tomada de consciência abre o caminho à expressão das insatisfações sociais, se deve a que estas são componentes reais de uma situação de opressão”. (FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido, pág. 24)
Sua Pedagogia Libertadora – até hoje, pouco entendida pelas parcelas mais abastadas e, muito menos ainda, praticada, caiu como uma luva em minhas mãos, já que, me identifiquei com o Magistério de uma forma muito orgânica. Pois as muitas insatisfações sociais a que era e ainda sou bombardeado, todos os dias, poderiam ser, agora, muito mais que só entendidas, refletidas, pensadas. Como numa escada, galgando degrau por degrau. E enxergando possibilidades. Passei a, antes de criticar, primeiro refletir, ouvir, deliberar e buscar soluções.
Passadas mais de duas décadas desde aqueles primeiros contatos, minha prática/práxis na sala de aula, sempre teve e tem muito de uma Pedagogia Libertadora, que se inquieta com a atual situação e, passadas por governos de direita, esquerda e agora, direita ultra conservadora, suas ideias ainda soam joviais, pois os problemas da Educação no Brasil, passados esses anos, salvo avanços na democratização do acesso à Educação Superior, ampliação da Educação Técnica, por exemplo, ainda está longe de terminar, porque ainda lutamos contra o status quo. E, enquanto Professor Historiador da rede pública estadual, tenho observado, mas também participado ativamente, tanto dentro quanto fora das salas de aulas, na busca de uma Educação que não só “liberte”, como também proporcione os instrumentos, os recursos e as muitas possibilidades de transformação da sociedade, com seus novos olhares e novas concepções, rompendo paradigmas para criarmos – através dessa tomada de consciência – uma sociedade menos desigual.
Enquanto Professor/Educador, penso que amadureci. Porque não só ainda me deleito com as ideias de Paulo Freire, como também me deixo guiar por elas e, elas, por fim, se ressignificam na minha prática/práxis quando percebo o quanto meus alunos percebem-se, também, como atores de suas histórias. De lado a lado se ensina, de lado a lado se aprende. Entendi que, ao buscar uma linguagem que se aproxima das usadas por boa parte dos alunos, menos obstáculos tenho que superar. E, quando assim procedermos, os alunos compreenderão que, nas nossas aulas, eles e elas, terão vez e voz. E podem discordar – a maioria, de maneira tímida – mesmo assim, eles podem e sabem que serão ouvidos. Que, por mais singela ou simples perguntas que façam, quer estejam desconexas, incoerentes, elas terão sempre uma resposta. Elas nunca serão vazias. Os Educandos se veem Protagonistas e cônscios, cada vez mais de seus múltiplos papéis em suas vidas. Rompem-se as barreiras estruturais e atitudinais. E, nós, Professores, que somos a mola propulsora da Educação, somos agraciados com as muitas conquistas de nossos alunos. Orgulhando-nos.
[caption id="attachment_498365" align="alignnone" width="300"] Aula de Campo na Escola Estadual Humberto Mendes[/caption]E é nessa visão que a Educação precisa se radicalizar – o que difere de reacionária. Pois ela ainda é bancária e, não é raro, vemos professores, mais confortáveis, quando estão num pedestal. Ela é opressora e serve mais aos interesses das camadas dominantes que dos oprimidos: “[…] a pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes. Os métodos da opressão não podem, contraditoriamente, servir à libertação do oprimido […]” (FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido, pág. 07). É incongruente pensar que, uma Educação que, infelizmente, quando criada para oprimir, possa dar um resultado diferente.
Por fim, dentre tantas ideias que aqui poderíamos abordar: precisamos encontrar estratégias para sabermos lidar com uma praga político/ideológica/social, a “Sectarização”:
“A sectarização, em ambos os casos, é reacionária porque, um e outro, apropriando-se do tempo de cujo saber se sentem igualmente proprietários, terminam sem o povo, uma forma de estar contra ele.
Enquanto o sectário de direita, fechando-se em “sua” verdade, não faz mais do que o que lhe é próprio, o homem de esquerda, que se sectariza e também se encerra, é a negação de si mesmo.
Um, na posição que lhe é própria; o outro, na que o nega, ambos girando em torno de “sua” verdade, sentem-se abalados na sua segurança, se alguém a discute. Daí que lhes seja necessário considerar como mentira tudo o que não seja a sua verdade. “Sofrem ambos da falta de dúvida”. (FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido, pág. 28)
Paulo Freire, desde cedo – ao contrário de muitos ideólogos de direita, que distorceram as ideias dele – se posicionou a favor de uma Educação Libertadora, não de um sectarismo de “esquerda”, como defendido por muitos, ignorantemente. Mas também é fato que, a esquerda se utilizou de suas ideias e, também, não raro, proporcionou e ainda, quando ausente do sectarismo, transforma e conscientiza. Ou seja, abomina a alienação – esta, que recentemente, ganhou proporções nefastas, em nosso país.
Hoje eu defendo uma Educação que esteja voltada para aqueles e aquelas que, ainda oprimidos, necessitam de liberdade. Contudo, não um Ensino e Aprendizagem que, apenas indique os “culpados e opressores”; urge que a Educação deste novo milênio, se estabeleça com a capacidade de dialogar com ambos os lados, possibilitando uma possível e real transformação. Mesmo que para isso, devamos entender o que significa ser Radical:
“O radical, comprometido com a libertação dos homens, não se deixa prender em “círculos de segurança”, nos quais aprisione também a realidade. Tão mais radical, quanto mais se inscreve nesta realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la.
Não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o desvelamento do mundo. Não teme o encontro com o povo. Não teme o diálogo com ele, de que resulta o crescente saber de ambos. Não se sente dono do tempo, nem dono dos homens, nem libertador dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar.” (FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido, pág. 28)
Pretendo o privilégio de, com eles me comprometer, para com eles lutar, e, quiçá, um dia também, ver minha sociedade mais aberta ao diálogo, livre de intolerância e preconceitos. Em que olhemos para o outro, através de seus próprios olhos, legitimando as diferenças e buscando um objetivo que é, um dos poucos, comum a ambos os lados: uma sociedade livre de corrupção e mais justa, segura e livre. VIVA PAULO FREIRE!