Deputados buscam suspender a deliberação da Ancine de adiar decisão sobre cota de tela para 2021
Um grupo formado por 12 parlamentares de oposição (PSOL, PT, PSB, PDT e PCdoB), protocolou na última quinta-feira, 10 de dezembro, um projeto de decreto legislativo que barra a deliberação da diretoria da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), de prorrogar a fixação da cota de tela do ano de 2021. A regra certifica o espaço para exibição de filmes nacionais nas salas de cinema em todo o território.
No texto, os deputados federais alegam que a decisão ‘‘representa claro desrespeito à ordem constitucional, ao não só garantir o incentivo à cultura, mas coibi-lo’’. O documento foi escrito por Áurea Carolina, do PSOL-MG, e co-escrito por David Miranda, do PSOL-RJ, Benedita da Silva, do PT-RJ, Alexandre Padilha, do PT-SP, Jandira Feghali, do PCdoB-RJ, Paulo Teixeira, do PT-SP, Lídice da Mata, do PSB-BA, Erika Kokay, do PT-DF, Túlio Gadêlha, do PDT-PE, Tadeu Alencar, do PSB-PE, Glauber Braga, do PSOL-RJ e Airton Faleiro, do PT-PA.
O grupo também protocolou um segundo projeto de decreto legislativo, que pretende suspender outra deliberação da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), que cancela os saldos de algumas chamadas públicas relativas aos últimos quatro anos e descarta o regulamento geral do Programa de Desenvolvimento do Audiovisual (PROVAD). O Prodav é responsável pelo fomento na produção, distribuição, comercialização e exibição de conteúdo audiovisual brasileiro.
Contextualizando o fato
A cota de tela é um mecanismo que regulamenta a veiculação de conteúdo nacional nas salas de cinema em todo território nacional, e iria voltar a ser praticada em 2020. Porém, a pandemia retardou o fato.
Após um ano sem estar em vigor, já que o decreto sobre o tema não foi assinado por Michel Temer em 2018, na época presidente, ela volta a valer após um decreto assinado por Jair Bolsonaro, em 24 de dezembro de 2019. Com isso as salas de cinema passam a ter a obrigação de veicular um determinado tempo de produções brasileiras ao longo do ano.
Este ano haveria várias mudanças na forma de implementação da cota de tela. Antes, a obrigatoriedade era por complexo de exibição. Hoje, ela passa a ser por salas comerciais, geminadas ou não, administradas por uma mesma empresa, grupo ou rede de exibição que integrem espaços ou locais de exibição pública ou comercial, localizadas em um mesmo complexo. Desta maneira, o plano é certificar que os filmes produzidos no Brasil não sejam apenas exibidos em salas menores de redes de cinema.
A obrigação de cada complexo seria calculada de acordo com o número de salas e em função do grupo exibidor. Por exemplo, os grupos que tiverem duas ou três salas de cinema deverão exibir 28, 2 dias de produções nacionais ao ano. Já os megagrupos de 201 ou mais salas deverão exibir 57, 3 dias de produções nacionais. A cota de tela também determinaria a variedade de títulos que seria exibida nas salas de cinema. Por exemplo: quem tem uma sala deve exibir ao menos três obras diferentes ao longo do ano, enquanto os grupos com mais de 20 salas exibem 24 produções nacionais.
De acordo com uma norma da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), após às 17h haverá uma redução de 20% da obrigatoriedade para exibição de obras cinematográficas brasileiras de longa metragem para cada sessão programada.
O decreto presidencial que estava em rigor antes da deliberação da ANCINE de adiar a decisão sobre a cota de tela para 2021, informa que os requisitos e as condições de validade para o cumprimento da obrigatoriedade e a metodologia de cálculo da quantidade de dias para cumprimento da obrigação ‘‘ serão disciplinados em ato expedido pela ANCINE’’. A forma de comprovação da participação de cada empresa ou grupo no mecanismo que estimula a veiculação de conteúdo nacional nos cinemas também ficará a cargo da ANCINE.
O que diz a Legislação?
No Brasil, as cotas de tela são adotadas de maneira intermitente desde a década de 30. Atualmente, o assunto é regulamentado a partir da Medida Provisória nº 2228-1/01, que prevê o seguinte:
Art. 55. Por um prazo de vinte anos, contados a partir de 5 de setembro de 2001, as empresas proprietárias, locatárias ou arrendatárias de salas, espaços ou locais de exibição pública comercial exibirão obras cinematográficas brasileiras de longa metragem, por um número de dias fixado, anualmente, por decreto, ouvidas as entidades representativas dos produtores, distribuidores e exibidores.
- 1o A exibição de obras cinematográficas brasileiras far-se-á proporcionalmente, no semestre, podendo o exibidor antecipar a programação do semestre seguinte.
- 2o A ANCINE aferirá, semestralmente, o cumprimento do disposto neste artigo.
- 3o As obras cinematográficas e os telefilmes que forem exibidos em meios eletrônicos antes da exibição comercial em salas não serão computados para fins do cumprimento do disposto no caput
Cada fim de ano, o presidente da República fixa quais serão as cotas praticadas para o ano seguinte por meio de decreto. O último ato publicado (Decreto nº 10.190/19) prevê faixas que vão de 27,4 dias para complexos com 201 ou mais. O não cumprimento da imposição pode levar à aplicação de multa com base no faturamento auferido durante o período de descumprimento.
Segundo Nichollas Alem presidente do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes (IDEA), a cota de tela adotada atualmente parece ser muito pequena, se comparado às práticas internacionais e à necessidade do setor nacional. A participação dos filmes brasileiros no total de público de cinema foi de apenas 13,80% entre 2014 e 2019. ‘‘ Nossa produção continua aumentando, passando de 114 obras em 2014 para 185 em 2018, mas deveríamos assegurar também a capacidade de acesso ao público’’. Pontua Alem.
O Setor audiovisual é estratégico não apenas pela sua dimensão econômica, lembrando que esses dados representam evasão de divisas para fora do país, mas também pelo fator simbólico e cultural. Consumir filmes estrangeiros significa consumir determinadas mensagens, formas de ver e pensar o mundo, valores, entre outras questões que nos marcam e afetam nossa maneira de agir (ALEM, 2020). O filme nacional ainda é muito pouco visto em relação aos filmes estrangeiros em cartaz.
Prorrogação até 2031
O Projeto de Lei 5092/20 prorroga até 2030 o prazo de obrigatoriedade de exibição comercial de filmes brasileiros nos cinemas. O texto em análise na Câmara dos Deputados altera a Medida Provisória 2.228-1/01 (Lei da Ancine), que prevê encerramento em setembro de 2021 da atual política de cota de tela. Em razão da cota, as salas brasileiras são obrigadas a exibir filmes brasileiros por número mínimo de dias. A cada ano, este número deve ser definido por meio de um decreto. O descumprimento implica multa de 5% da receita bruta média diária do cinema, multiplicada pelos dias em que as cotas não forem respeitadas.
Na Câmara, já tramitam outras propostas que visam prorrogar a cota de tela. Trata-se do PL 5497/19 e apensados (PLs 5597/19 e 5757/19), que prorroga o mecanismo até 2031 e aguarda parecer da Comissão de Cultura.