A vida política de Diego Armando Maradona

27/11/2020 09h09

Das tatuagens que o lendário Maradona carregava na pele, duas delas ganham destaque especial, por amparar e afirmar sua postura ideológica e política: a do revolucionário marxista, médico e guerrilheiro argentino Ernesto Guevera, popularmente conhecido como ‘'Che Guerra’’, no braço direito, e a do revolucionário cubano e 15º presidente de Cuba (1976-2008), Fidel Castro na perna esquerda.

O ex-jogador e treinador argentino ficou internacionalmente conhecido por sua despreza, perspicácia e precisão em campo. Entretanto, no campo político ele também tinha espaço de ação, a política não estava apenas vagamente marcada em sua pele, ele literalmente vestia a camisa quando se falava em política. Franco apoiador do líder da revolução cubana (1953-1959), Fidel Castro (1926-2016), e do 56º presidente da Venezuela (1999-2013), Hugo Chávez (1954-2013), o esportista atacou dirigentes de clubes, a Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), e até o santo papa São João Paulo II (1920-2005), sempre se rebelando contra as feridas abertas da desigualdade, a mão pesada do poder e a desfaçatez da riqueza. E, assim como fazia nos gramados,'dieguito' preferia jogar no time da esquerda.

Em entrevista concedida a revista Carta Capital, o antropólogo e professor no Centro de Estudos de Pessoal e Forte de Duque de Caxias, Edison Gastaldo, fez a seguinte análise do ídolo argentino: ‘‘uma espécie de liderança popular, que veio do povo e não se esquece de onde saiu. Isso é uma marca central no caráter de Maradona’’. Ainda em entrevista a revista Carta Capital, Gastaldo faz o uso do conceito ‘‘intelectual orgânico’’, do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), para descrever de que forma os torcedores argentinos interagem com a figura do jogador, diante da sua dedicação a atuação na política.

Seu posicionamento de base vem de uma herança peronista e trabalhista, examinou o antropólogo Edison Gastaldo, em citação ao movimento do ‘‘peronismo’’ de Juan Domingo Perón, 26º (1946-1952), 27º (1952-1955) e 38º (1973-1974), presidente da Argentina. O presidente Perón sempre foi visto como uma das principais referências para esquerda argentina. Segundo Gastaldo, Maradona é contra o rei, o duque, o xerife, é contra o establishment. Sua admiração também vem da ousadia em enfrentar poderosos, por aqueles que não se acovardam. Essa coragem de tomar partido, escolher seu lado em uma disputa, lhe dá muita coerência e fortalece sua imagem como herói da classe trabalhadora.

Em seu país, Maradona sempre foi peronista assumido. Contudo, há quem veja esse detalhe ideológico como algo contraditório, já que ele foi um dos apoiadores de Carlos Menem, 50 º presidente da Argentina (1989-1999). Presidente amplamente criticado por seu governo de corrupção, pelo perdão aos ex- presidentes da Ditadura Militar Argentina (1976-1983), general Jorge Videla (1925-2013) e general Juan Carlos OnganíaCarballo (1914-1995), e o fracasso de suas políticas econômicas que embora eficazes no combate à inflação, aumentaram à taxa de desemprego para mais de 20% e acentuaram uma das piores recessões que o país já teve. Porém, o partido de Menem, o PJ (Partido Justicialista, grande representação peronista) é uma agremiação complexa, com setores distintos, com alas conservadoras e progressistas.

Nos anos 90, diante de seus graves problemas de saúde, Maradona encontrou amparo, refúgio e amizade em Cuba, outro país importante para sua construção política. Em 1988, Diego teve seu primeiro encontro com Fidel Castro, e desde então teve no líder cubano a imagem de um pai. Nos anos 2000, época em que estava à beira da morte em consequência do vício em drogas, Fidel o convidou para fazer um tratamento de desintoxicação em Cuba. Castro deixou uma clínica de reabilitação inteira à disposição do ex-jogador. Sua estadia na ilha foi de 5 anos, durante esse período conheceu outro aliado fiel de Fidel, o presidente venezuelano Hugo Chávez, que também se tornaria um de seus mais seletos amigos no mundo da política.

2005, ano de seu retorno à Argentina, coincidiu com um suntuoso evento na cidade turística de Mar del Plata, que selou de vez a amizade entre 'dieguito' e o contraditório presidente venezuelano, e de quebra ampliou sua galeria de amigos políticos. Tratava-se da Cúpula das Américas, evento que reuniu presidentes de todos os países da América do Sul, além do 43º presidente dos Estados Unidos (2001-2009), George W. Bush, que tinha como objetivo convencer os presidentes latinos a confirmar de vez a formulação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Um trio formado por Chávez, Luiz Inácio Lula da Silva, e o anfitrião Néstor Kirchner, lideraram a negativa latina ao projeto estadunidense. No palanque da comemoração pelo resultado, Maradona estava ao lado dos presidentes como se fosse mais um ilustre Chefe de Estado, inclusive, além dele, o único que não tinha cargo político entre os presentes era o líder indígena boliviano Evo Morales, que no período era presidenciável na Bolívia, mas logo foi empossado como 65º presidente da Bolívia (2006-2019). O evento marcou a reaproximação de Diego com a política de seu país. Maradona voltou a se envolver graças a Néstor Kirchner (1950-2010). O maior jogador da história da Argentina foi um dos maiores entusiastas do kirchnerismo durante a maior parte dos 12 anos de gestão.

Em 2009, Maradona e Cristina Kirchner, lançaram o projeto Futebol Para Todos, projeto que tirou a concessão de transmissão dos jogos do Campeonato Argentino das mãos dos canais de TV a cabo e os destinou a TV pública, que passou a transmitir os jogos de todos os clubes da primeira e segunda divisão ao vivo e em sinal aberto.A parceria com Maradona tinha forte conveniência política por parte do movimento kirchnerista, mas também há certa coerência nessa ação.

No âmbito da política esportiva mundial, Diego também tinha destaque, sendo um dos maiores inimigos da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), especialmente durante a gestão do 7º presidente da FIFA (1974-1998), João Havelange (1916-2016), e do 8º presidente da FIFA (1998-2015), Joseph Blatter. Segundo Maradona, os dois transformaram o futebol mundial em um negócio, além de terem formado uma máfia que operava a partir da negociação dos direitos de transmissão dos torneios. Cabe salientar,as acusações levantadas por ele, com o tempo, mostraram-se verídicas. O argentino também sempre levantou a acusação de que as eliminações da Argentina nas copas do mundo da Itália (1990) e dos Estados Unidos (1994) foram represálias contra seu posicionamento político. Nesse caso, nunca conseguiu provar o que alegou. Para Gastaldo, a identificação dos torcedores com Diego Armando Maradona é produto de uma circunstância rara que reuniu alto desempenho futebolístico e formação político bem apurada em um mesmo jogador. Num mercado que submete atletas ao ‘ ‘cala a boca e joga’’, o astro argentino aparece como personalidade ímpar, que desagradou elites europeizadas e foi perseguido por suas manifestações (CARTA CAPITAL, 2020).

Em nosso país, os principais elos dele foram os presidentes Lula e a presidenta Dilma Rousseff. Em 2018, quando o ex-presidente estava preso, Maradona escreveu diversas mensagens em favor da sua libertação, e chegou a posar com uma camisa da Seleção Brasileira com o nome do petista mor, quando este ainda postulava o sonho de ser presidenciável nas eleições de 2018, antes de ser substituído pelo professor Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo (2013-2017). Neste momento, na Argentina, Maradona era um dos maiores críticos da gestão Macri (2015-2019), com quem tinha desavenças desde que o empresário era presidente do Boca Juniors (1995-2007). Portanto, não foi surpresa, o fato de ele ter apoiado abertamente a campanha presidencial de Alberto Fernández, atual presidente de seu país.

Em 2020, as últimas manifestações políticas de Diego Maradona, foram para defender a gestão de Alberto Fernández, algo muito corriqueiro nos últimos tempos. Em sua última manifestação política, em setembro deste ano, ele publicou em seu perfil do Instagram uma foto do casebre onde viveu durante a infância, na favela de Villa Fiorito, no sul de Buenos Aires, para defender a iniciativa do governo de criar um imposto temporário sobre grandes fortunas.