Com Suruagy morreu um pedaço de Alagoas
Digo com toda a convicção que Divaldo Suruagy foi a maior referência de homem público nas últimas cinco décadas em Alagoas. Junto com outro político, Guilherme Palmeira, construíram e mantiveram por todos esses anos imagens de exemplo de probidade, liderança e muito fizeram nos mandatos que desempenharam pelo desenvolvimento do Estado.
Fui apresentado a Divaldo em 1974 por Guilherme que acabava de ser reeleito para a Assembleia Legislativa enquanto ele se preparava para assumir o governo do estado pela primeira vez. A partir dai nossa amizade foi se solidificando e sempre estive muito presente na sua caminhada ao ponto de muitos imaginarem que trabalhasse em sua administração. Era sempre uma confusão que faziam em função da proximidade de Suruagy e Guilherme com quem sempre trabalhei. Tive o privilégio de conviver com essa figura impar, frequentando sua casa e vendo crescer suas “meninas” (Mônica, Valquíria, Cristina e Patrícia), hoje mulheres de sucesso profissional conquistados por mérito, sob o manto protetor dessa exemplar figura de mãe, companheira e alicerce familiar Luzia.
Governando Alagoas em termos de obras ninguém o igualou, entregou milhares de casas populares para famílias pobres, da mesma forma com relação a empregos e geração de renda através de programas na agricultura e pecuária. Rasgou o estado de canto a canto com estradas e também foi quem mais construiu escolas e postos de saúde.
Firme em suas convicções e propósitos tinha verdadeira paixão por Alagoas e por ela “iria até ao ferimento mais grave”, nas palavras do jornalista Noaldo Dantas. Combatia o bom combate, sempre respeitoso até com os adversários. Em toda nossa convivência nunca ouvi uma atitude sua que caracterizasse perseguição de qualquer natureza. Pautou sua vida em fazer o bem e assim o fez.
Foi implacavelmente injustiçado na política que ele tanto honrou, mas como diz Enio Lins “Como jornalista acompanhei o desastre de 1997, eclodido por várias razões, dentre as quais se destaca o fato do governador Suruagy, em seu terceiro mandato, ter buscado manter – contra toda a lógica da economia – sua histórica postura de “pai do funcionalismo”.
Isto é um pouco do que foi Divaldo Suruagy. Um homem digno, um político exemplar, um modelo a ser seguido. O maior homem público da história contemporânea de Alagoas.
Sua coragem cívica Certa vez ouvi de Mendes de Barros sobre a “coragem cívica” de Divaldo Suruagy em um dos momentos tensos de decisão política que antecedeu a indicação de Guilherme Palmeira como seu sucessor. Os opositores “minaram” o Palácio do Planalto e plantaram informações que comprometiam a escolha. Na véspera da decisão, nós do grupo de Guilherme estávamos em Brasília já há mais de vinte dias, tivemos a noticia de que o todo poderoso Golbery do Couto e Silva teria vetado a candidatura. Divaldo pediu uma audiência urgente com o presidente Ernesto Geisel que não “morria de amores” por nosso candidato, mas respeitava e admirava Suruagy. Peitou os generais e disse-lhes que só aceitaria um nome para governar Alagoas: Guilherme Palmeira. Em seguida o anúncio foi feito para a imprensa pelo professor Heitor de Aquino e Guilherme chamado ao Palácio do Planalto. “Que ninguém duvide da coragem cívica desse cidadão”, atestou para todos nós o sábio Mendes de Barros.
O seu lado do humor Na intimidade Suruagy era um grande gozador e seu humor nos divertia muito. Um detalhe: não admitia ser o foco da gozação. Mesmo assim eu o peguei algumas vezes e o deixei com raiva de mim. Passava logo. Certa vez a gente estava no Rio de Janeiro no Hotel Othon e ele inventou que eu havia pedido um “chá” no café da manhã e que nosso amigo e meu conterrâneo palmeirense, seu secretário de Comunicação, José Osmando, se alarmou com o pedido e retrucou: ”Está doente Pedro”? Ai ele mesmo completava: ”saiu de Palmeira, mas Palmeira não saiu dele”. Contou essa história inventada pra meio mundo.
Quase seria presidente No momento do sepultamento em emocionado discurso o ex-governador de Sergipe e hoje prefeito de Aracaju, João Alves, contou um fato que eu já conhecia, mas que foi surpresa para muitos. Suruagy quase foi presidente da República. Sempre foi o candidato da preferencia de Tancredo Neves para seu vice, por sua condição de líder no Nordeste e sua história de vida política. Disse isto a Guilherme Palmeira, Marco Maciel, Jorge Bornhausen e outros líderes da Frente Liberal. Circunstâncias da composição que assegurava a vitória de Tancredo fizeram com que o nome indicado fosse o de José Sarney, fato que visivelmente contrariou o candidato, mas os objetivos buscados eram maiores para o Brasil e tiveram que “engolir” o coronel do Maranhão, que com a trágica e inesperada morte de Tancredo Neves assumiu a presidência da República.
Um texto de Davi Soares No episódio traumático da morte de Divaldo Suruagy ouvi e li muitos depoimentos, relatos e declarações sobre a vida e a obra do emblemático político alagoano . Um deles me tocou profundamente e me levou a emoção. É de autoria de um jovem e talentoso profissional, (Davi Soares) que não conheço pessoalmente, mas tenho muito respeito por seus textos éticos, impecáveis e corajosos. Reproduzo abaixo uma parte de sua matéria publicada no site Cada Minuto em homenagem ao bom jornalismo. “Em uma resposta anterior, Suruagy já havia considerado “uma piada, uma brincadeira” o processo de impeachment pelo qual foi condenado em setembro de 1997. Sobre as dificuldades do último governo, que atingiu em cheio milhares de servidores públicos, falou do contexto difícil para Alagoas, a partir da estabilização da moeda. E ainda desafiou: “Ninguém conseguiu encontrar nada que diminuísse a minha pessoa” Apesar de o registro de sua candidatura a deputado estadual ter sido cassado pela Justiça Eleitoral, em agosto de 2014, por conta de sua condenação no caso das “Letras Podres”, ninguém conseguirá diminuir Divaldo Suruagy, um homem de grandes realizações e erros fatais que não conseguirão apagar sua passagem pela vida pública. Ele mesmo tinha consciência plena disso: “Ninguém fez mais em Alagoas do que eu. Mas ninguém mesmo. Mande juntar todo mundo e ver meus governos. Eu dou um banho”. Depois da entrevista, o simpático ex-governador me presenteou com um exemplar autografado do livro Poeiras da Vida. Pedi para fazer novas fotos e registrei um olhar sereno, após aquela que pode ter sido a última entrevista para a imprensa alagoana. Um convite para que retornasse sempre que quisesse foi retribuído com um “boa sorte”. Mas o agravamento de seu quadro de saúde resultou em seu falecimento neste sábado (21). Aos familiares, amigos e assessores, os sentimentos deste repórter que relata aqui a experiência de ter conhecido o político e o ser humano Divaldo Suruagy.” Para refletir: “Exatamente por pretender proteger os servidores, Suruagy sofreu o grande revés de sua longa carreira. Foi – repentina e injustamente – transformado em algoz daqueles que tentou desesperadamente ajudar”. (Enio Lins, jornalista, secretário de Estado da Comunicação)