Artigos

Capixaba

14/08/2022
Capixaba

Osvaldo Carlos do Rego Couto, de apelido Capixaba por ter nascido no Espírito Santo, filho do Coronel Couto, criou-se praia da Avenida da Paz. Forte, musculoso, xodó das meninas, cuidava de seu corpo. Foi meu colega na Escola Preparatória de Cadetes em Fortaleza, atleta de primeira grandeza, excelente ponta direita, mas não quis continuar a carreira militar. Desde cedo apreciou boas mulheres; bons papos, inteligência e raciocínio rápidos lhe davam o toque de bom humor e alegria. Contador de história nato; prendia atenção ao contar suas aventuras.

Mudou-se para Brasília, mas nunca perdeu o contato com os companheiros de juventude; gentil, quando visitava Maceió distribuía presentes entre os amigos. Tinha simpatia e alegria, inatas, um ser humano de bem com a vida. Na última vez em que almoçamos juntos, festa de fim de ano do Cáu, relembramos grandes noitadas, aventuras de jovens cheios de sonhos e até irresponsabilidades. A vida de Capixaba é um livro bem humorado, ainda não escrito.

Capixaba gostava de carnaval. Certa vez nós estávamos fazendo o passo no Bloco Cavaleiro dos Montes numa manhã quente de Banho de Mar à Fantasia, a moçada enlouquecia ao tocar o frevo Vassourinhas. Eu vi quando Capixaba recebeu uma cotovelada na cara, caiu no asfalto, atordoado. Ao recuperar-se da pancada identifiquei o agressor, mas não tive a petulância de partir para briga contra o agressor de meu amigo: era nada mais, nada menos que Porreta, um baiano alto, forte, arruaceiro de zona; em certa ocasião lutou e bateu em três policiais na Boate Tabariz em Jaraguá. Porreta, conhecido nas baixas rodas por ser briguento e homossexual, era o “Madame Satã” de Maceió. Todos tinham medo de Porreta, bicha macho para ninguém botar defeito. Capixaba, inconformado, desafiou o baiano para um duelo tipo Vale Tudo dali a um mês, na Praça Sinimbu à noite. Porreta não refugou, topou a parada.

Capixaba começou a preparar-se para a grande luta. Boêmios, prostitutas, policiais, políticos, desocupados, estudantes comentavam o duelo marcado, causou a maior expectativa na cidade.

Capixaba começou a treinar. Corria diariamente às cinco da manhã do coreto da Avenida ao Morro Tom Mix, uma linda duna demolida na praia do Trapiche pela Salgema (Braskem).

Naquela época, Nezito Mourão, um dos maiores beques do Brasil, que jogou pelo CRB, depois jogou no Santos com Pelé, campeão do mundo em 1961-62, havia aberto uma Academia de Boxe. Capixaba matriculou-se, recebeu aulas técnicas de murros e defesas, preparando-se para enfrentar o Porreta. Certa vez “brigaram” em treinamento; Capixaba, de repente, aproveitou uma guarda aberta de Mourão, deu-lhe um soco no olho, zonzou. Nezito tentou dar o troco no indisciplinado aluno, entretanto, Capixaba, com medo do revide, correu em disparada e foi bater em Marechal Deodoro. Fez parte do treinamento.

Certa manhã, nós estávamos conversando sentados num banco da Avenida da Paz, quando Capixaba avistou dois marinheiros ingleses caminhando em direção ao cais do porto; ele gritou “Son of bich”, os marinheiros não gostaram, continuaram a caminhada. Capixaba correu atrás, provocando, deu uma tapa em cada inglês. Iniciou no calçadão uma briga de cinema, dois contra um. Lutaram até cansar. Certo momento Capixaba correu da luta, dizia ser treinamento para enfrentar Porreta.

Afinal, chegou a noite esperada ansiosamente pela população de Maceió. Alguns amigos acompanharam nosso herói até a Praça Sinimbu. Ao se aproximar do local, Capixaba ouviu o grito provocativo do Porreta com as mãos nos quartos: “Preparou-se para levar a maior surra de sua vida?”

Capixaba tirou seus sapatos, a camisa, o relógio, me pediu para guardar. Arregaçou a calça. A assistência formou um círculo deixando os dois lutadores no centro. Aconteceu uma das maiores lutas presenciadas nas Alagoas e alhures. Primeiros movimentos, os adversários se estudando, alguns ataques, outras defesas, jogo de pernas. De repente rápidos murros, socos na cara, na barriga, às vezes se atracavam, se soltavam, não havia juiz para separar. Esmurraram-se, se digladiaram por mais de uma hora, suavam, sangravam.

Estavam cansados, Capixaba distraiu a guarda, Porreta aproveitou, acertou um soco desconcertante na cara; nosso amigo caiu no chão, jorrando sangue pela boca. A raiva subiu para a cabeça e Capixaba, num ímpeto surpreendente, levantou-se num pulo dando cabeçada no peito do atônito Porreta. “Madame Satã” caiu de costas, abriu a cabeça no calçamento, sangrou. Ato contínuo, Capixaba montou em Porreta, não perdoou, esmurrando-o incessantemente.

Retiraram Capixaba de cima de “Madame Satã” nocauteado, sangrando. Imediatamente levaram-no para o Pronto Socorro, quatro dentes quebrados, muito sangue. Assim terminou o reinado de Porreta, o baiano mais macho do Brasil.

Capixaba também acabou seu reinado neste mundo, foi-se embora meu querido amigo. Restam agora lembranças, contar suas histórias, ou dançar um tango.