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Acordo da Braskem com MPs e DPs completa dois anos se mostrando débil e permissivo

12/01/2022
Acordo da Braskem com MPs e DPs completa dois anos se mostrando débil e permissivo

‘As cláusulas não abarcam o devido valor dos imóveis e de suas qualidades específicas e desconsideram as violações de direitos humanos’, afirma a mestranda em Direitos Humanos da UFPE Rikartiany Cardoso / FOTO: Divulgação

No dia 3 de janeiro de 2022, completaram-se dois anos do acordo que definiu o formato de pagamento das indenizações relativas ao crime socioambiental cometido pela Braskem em Maceió. Além da própria mineradora, também assinaram o termo o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público de Alagoas (MP-AL), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública de Alagoas (DP-AL). A população afetada, que vive, hoje, uma situação financeira e emocional desastrosa, entende o acordo como um obstáculo para a resolução da catástrofe, enquanto a comunidade acadêmica também reserva inúmeras críticas à sua formulação.

A falta de participação das vítimas

Para a definição do termo, não houve qualquer tipo de representação dos moradores e empreendedores atingidos, que vivenciam a dimensão da tragédia humana e conhecem as necessidades práticas e específicas das 70 mil vítimas. Por consequência, obteve-se um acordo “frouxo” e um processo indenizatório desfavorável para as pessoas atingidas pelo crime, que acabaram ficando sujeitas, ao longo destes dois anos, às imposições da Braskem, aliada aos melhores escritórios de advocacia do país.

Segundo a mestranda em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Rikartiany Cardoso, que estuda diretamente o Caso Braskem, a ausência de participação da população afetada na formulação do acordo é uma falha grave, uma vez que “as autoridades não buscaram prever as necessidades da população a curto, médio e longo prazo”. A pesquisadora explica que “a participação ativa das pessoas afetadas na tomada de decisão daquilo que se refere às suas próprias vidas é crucial para a satisfação de expectativas e necessidades”.

O protecionismo das instituições à Braskem

Hoje, segundo dados da própria Braskem  — os únicos disponíveis para quem deseja acompanhar o progresso do caso —, cerca de 25% das vítimas sequer receberam proposta de valor indenizatório, enquanto um total de 45% ainda não foram efetivamente indenizadas. É importante ressaltar, no entanto, que esses números não são fiscalizados pelas instituições públicas signatárias do acordo, que permitem à mineradora monopolizar livremente a narrativa sobre a reparação do crime que ela própria cometeu.

Apesar do reconhecimento da responsabilidade da Braskem pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) em 2019, a cláusula 32ª do termo determina que o acordo não implica em responsabilização da Braskem pela tragédia causada. A cláusula 35ª, ainda, propõe que, se condenada pela tragédia, todos os prejuízos materiais e morais devidos pela empresa sejam dados como quitados em função do acordo. Já a cláusula 38ª afirma que o cronograma de ações pode ser atrasado sem punições à Braskem e que o prazo final, fixado em dezembro de 2022, pode ser prorrogado pela mineradora sem quaisquer restrições previamente determinadas.

Cardoso afirma que as cláusulas em questão apresentam uma “construção discursiva protecionista”, que impossibilita “outras formas de disputas judiciais”. Na opinião da pesquisadora, a permissividade assumida pelas instituições é injustificável. “O acordo se trata, na verdade, de um termo de investimento, vendendo o território prejudicado por um valor pífio estipulado pela empresa causadora dos danos, que se tornou, ao fim, proprietária dos imóveis.”

Um processo indenizatório injusto

Como uma estratégia de minar as possibilidades de negociação, apenas a partir de dezembro de 2020 o corpo jurídico da multinacional começou a lançar propostas individuais de indenização, sem detalhamento dos critérios utilizados, iniciando uma mesa de negociação com a vítima e seu advogado ou defensor público. Nessa situação, a urgência das necessidades básicas das pessoas afetadas, os valores irrisórios oferecidos pela mineradora e a morosidade para o agendamento de novas tratativas quase sempre inviabilizam a definição de uma indenização justa.

De acordo com Rikartiany Cardoso, o acordo traz “uma falsa ideia de liberdade em aceitar ou não as propostas individuais”. Para ela, em uma situação na qual as vítimas, em suas palavras, “travam uma batalha diária pelo mínimo para a continuidade da vida com dignidade, o que gera enorme desgaste emocional e psicológico”, aceitar o valor imposto pela multinacional tende a ser a alternativa menos dolorosa. “Isso só ratifica uma lógica mercantil da vida e de seus direitos”, afirma.

A indenização por dano moral, por exemplo, foi fixada pela Braskem em R$ 40 mil por imóvel, de modo que famílias com dois ou dez membros recebem a mesma quantia, enquanto os empreendedores são vetados de receber. Sobre isso, Cardoso esclarece que o valor proposto é “irrisório”, visto que, “dentro de um imóvel”, cada pessoa possui “impactos diferentes no que concerne ao dano moral”. “Além disso”, complementa, “o direito ao trabalho digno é um direito humano e, portanto, a indenização aos empreendedores é totalmente legal e legítima”.

‘É preciso exigir indenizações justas e responsabilização devida’

Para Rikartiany Cardoso, são muitas as falhas do acordo indenizatório. “As cláusulas não abarcam o devido valor dos imóveis e de suas qualidades específicas e desconsideram as violações de direitos humanos, como o direito à memória, ao trabalho digno, à educação, à moradia, bem como ao patrimônio cultural e aos centros de convívio social.” Ou seja, fica patente que as propostas indenizatórias massacrantes feitas pela Braskem apenas se realizam porque são autorizadas pelo tal acordo assinado pelos MPs e as DPs.

Cardoso ainda menciona as dezenas de desastres socioambientais e de trabalho ocorridos durante a história da mineradora em Alagoas, ressaltando o legado de destruição causado. “Devemos nos perguntar qual salvamento econômico para o estado foi feito ao longo dessas décadas e para o bolso de quem foi o valor de cada lágrima derramada desde a instalação da Braskem”. “A partir da organização da resistência”, convoca, “é preciso exigir indenizações justas, responsabilização devida e um novo modelo mineral que não atenda às necessidades das empresas, mas do povo”.