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Soberba do Flamengo inspirou Telê em goleada histórica do Palmeiras em 1979

26/11/2021

A declaração de Willian Arão de que o Flamengo vai derrotar o Palmeiras por 2 a 0, sábado, na final da Libertadores da América, faz o torcedor palmeirense viajar no tempo e desembarcar em 1979. Naquele ano, o time alviverde desbancou o favorito Rubro-Negro no Maracanã em duelo importante. E foi uma reportagem exibida em rede nacional que serviu para Telê Santana utilizar como combustível na goleada por 4 a 1, em partida que valia classificação para a semifinal do Campeonato Brasileiro.

Com um público de 112.047 pessoas, Jorge Mendonça e Rosemiro lideraram uma geração que estava surgindo no clube paulista na histórica vitória sobre uma equipe que tinha nomes como Zico, Júnior, Carpegiani, Toninho e Tita. A revelação do segredo para aquele triunfo foi feita por Renê Santana, filho de Telê, em entrevista ao Estadão, às vésperas do reencontro dos rivais no Centenário, em Montevidéu, para a decisão da Libertadores 2021.

“O Telê vinha fazendo bons trabalhos ao longo da sua carreira e esse jogo foi o seu auge. Tanto é que logo depois ele foi para a seleção brasileira substituir o próprio Cláudio Coutinho. Mas a preparação para essa partida teve um componente a mais. Foi uma entrevista infeliz do saudoso técnico do Flamengo para o Jornal Nacional, da Globo, do dia anterior. Ele falou que os paulistas iriam tremer no Maracanã. Meu pai ouviu aquilo, desligou a televisão e falou para todo o grupo: “todos ouviram né? É isso que pensam de nós. Só que não vai ser isso que vai acontecer”, disse Renê, lembrando o discurso de indignação do pai.

Ainda de acordo com Renê, em campo, o que se viu foi um Palmeiras aguerrido, partindo para cima do Flamengo e levando vantagem na maioria das disputas. “O Palmeiras tinha o Jorge Mendonça e o Rosemiro como atletas mais experientes. Mas no grupo, o Telê contava com uma geração muito promissora. Jorginho, Pires, Mococa, César, Baroninho… Era um time aplicado na marcação e que tinha muita velocidade para buscar o ataque. O Flamengo acabou surpreendido”, comentou.

No jogo, realizado em 9 de dezembro, Jorge Mendonça abriu o placar no início do primeiro tempo. O empate aconteceu em cobrança de pênalti de Zico na etapa final. Aos 24 minutos, Carlos Alberto Seixas colocou o Palmeiras novamente à frente e Pedrinho, aos 31, e Zé Mario, já fim do jogo, fecharam o marcador. Destaque da partida com três assistências, Baroninho tem os 4 a 1 sobre o Flamengo como o seu maior momento pelo Palmeiras. “Eu coloquei o Telê na seleção brasileira”, diz o jogador, num tom bem humorado.

Apesar de o Flamengo ter o favoritismo por jogar em casa e também por ter uma grande equipe, Baroninho contou que o Palmeiras foi muito bem treinado pelo Telê. “Nós vínhamos de boas apresentações e estávamos confiantes. Mas aí o Telê viu uma entrevista do técnico deles, ficou bravo e deu uma chamada na gente. Mexeu com os nossos brios”, disse o ex-ponta-esquerda, que dois anos mais tarde faria parte da equipe rubro-negra que conquistaria o mundo em 1981.

Baroninho também disse ao Estadão sobre o efeito que a goleada provocou no Palmeiras. “O vestiário foi uma alegria só. Aliás, a festa durou toda a viagem do Rio para São Paulo. Quando chegamos no aeroporto, tinha até torcida esperando a gente. Parecia conquista de título. No final, não conseguimos ser campeões do Brasileiro (time caiu para o Inter na semifinal), mas todo mundo sempre lembra com saudade dessa partida”, disse.

O jogo, que pavimentou o caminho de Telê para a seleção, mostrou uma outra característica do treinador construiu ao longo da carreira: a de montar bons times jogando um futebol ofensivo. Na opinião do filho Renê, esse processo teve início ainda em 1969, à frente do Fluminense. “O Botafogo era o grande time do Rio, mas o Telê fez o Fluminense interromper essa hegemonia e ganhar o Estadual e o Roberto Gomes Pedrosa (antes do Brasileirão) formando um belo time. Em 1971, aconteceu com o Atlético-MG. O Cruzeiro vinha de cinco títulos seguidos no Mineirão. O Telê foi campeão brasileiro e quebrou essa série. O terceiro grande momento nessa linha foi em 1977. O Inter ganhava tudo havia sete anos, mas ele levantou o Gaúcho e colocou o Grêmio no topo”, disse Renê.

O modo sisudo e o estilo durão foi outro ponto destacado pelo filho do treinador para justificar o sucesso do Palmeiras nos 4 a 1 sobre o Flamengo naquele ano. “O Palmeiras tinha muita gente jovem, estava reformulando o elenco. O Telê era exigente, cobrava muito dos garotos. Mas ele sabia que o time tinha potencial para ir mais longe. E quanto mais forte era o adversário, mais foco a equipe tinha de ter em suas orientações.”

Quem acabou sentindo isso na pele foi quem esteve do outro lado naquele clássico. O ex-meia Tita contou ao Estadão os problemas que o Flamengo enfrentou na derrota para o Palmeiras. “Primeiro, o que tenho a falar é que o Palmeiras era um grande time. Mas o Flamengo achou que iria vencer a partida a qualquer momento. Achamos que éramos superiores. Nós éramos tricampeões cariocas, mas não tínhamos um time consolidado ainda. Pode-se dizer que nós jogamos de salto alto”, afirmou.

JOGAMOS DE SALTO ALTO – Tita, no entanto, disse que essa experiência amarga foi importante para a fase vitoriosa que o clube iniciaria a partir de 1980. “Foi duro, mas importante como aprendizado. Depois dessa derrota, tudo foi nosso. Ganhamos o Brasileiro de 80, Libertadores e Mundial de 81, o Carioca também. Ainda teve outro Brasileiro em 82, o de 83. Mas em 79, o Palmeiras mereceu aquela vitória”, disse o ex-jogador que destacou ainda o trabalho de Telê à frente do Palmeiras.

“O Telê foi um grande treinador e sempre fez bons trabalhos por onde passou. Ele sabia usar muito bem o que tinha em mãos. Além da nova geração, que tinha Pedrinho, Baroninho, Jorginho, ele contava com Jorge Mendonça, que barrou o Zico na Copa de 78 né”, completou Tita, que foi orientado por Telê na seleção brasileira.

Com passagem pelo comando técnico tanto de Palmeiras como Flamengo, Telê não conquistou títulos, mas deixou um legado de bons trabalhos. Ao ser questionado sobre qual dos dois times teria a preferência do Telê, Renê foi evasivo. “O Flamengo hoje joga um futebol que enche os olhos de todo mundo. Mas o Telê foi tão feliz no Palmeiras naquela passagem. Ele tem um carinho muito grande pelo Palmeiras.”

Autor: Toni Assis, especial para AE
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