Esportes

Na Inglaterra, jogadores viram alvo de ofensas nas redes e cobram providências

25/02/2021

“Algo precisa mudar! A luta contra o racismo continua”, denunciou Willian, do Arsenal, após ser chamado de “macaco” em uma mensagem de ódio que recebeu no Instagram. Há quase oito anos na Inglaterra e um dos brasileiros mais conhecidos por lá, o meia-atacante com passagens pelo Chelsea e seleção brasileira recentemente se tornou mais um jogador do futebol inglês a denunciar ataques virtuais, sinalizando que a batalha de entidades, clubes, esportistas e governo contra os abusos nas redes sociais está longe de acabar.

“Recebi ataques até contra a minha família, com palavras que, se eu divulgasse, poderia escandalizar ainda muito mais”, detalhou Willian, em entrevista ao Estadão. “Pelo que eu vejo, muitas vezes as autoridades que podem fazer alguma coisa não fazem. As pessoas estão tratando esse assunto como normal. Está errado. Não faz parte, não está bom e não está normal. Racismo é crime”, reforçou o meio-campista.

Neste mês, incomodadas com comentários ofensivos, muitos deles racistas, homofóbicos, xenofóbicos e sexistas enviados a jogadores, entidades do futebol inglês, entre elas Premier League, English Football League (EFL), PFA (sindicato dos jogadores), LMA (sindicato dos treinadores) e PGMOL (órgão que representa os árbitros profissionais do país), assinaram uma carta conjunta destinada a Jack Dorsey, CEO do Twitter, e a Mark Zuckenberg, proprietário do Facebook e do Instagram, exigindo providências para lidar com o grave problema.

“A linguagem usada é desrespeitosa, muitas vezes ameaçadora e ilegal”, disse um trecho da carta. “Essas plataformas continuam sendo um paraíso para abusos e esses anônimos pensam que estão fora do alcance. Pedimos, por razões de decência humana básica, que sejam tomadas medidas para acabar com isso”, cobraram os responsáveis pelo texto.

Há uma insatisfação crescente com o fato de os gigantes das redes sociais não estarem fazendo o suficiente, segundo os líderes ingleses, para evitar e punir os agressores. “As redes sociais têm sido extremamente lentas a retirar material abusivo, não apenas o que atinge os jogadores de futebol, mas situações de abuso em geral. Existe tecnologia no mercado que pode atuar bem mais depressa do que tem acontecido”, apontou Iffy Onuora, presidente do sindicato dos jogadores.

De acordo com Fábio Malini, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o caminho para um ambiente virtual mais saudável ainda é muito longo, embora as gigantes da tecnologia tenham adotado algumas medidas para combater os comentários de ódio.

“Acho que um dos grandes problemas das plataformas é que elas não produzem segurança para os usuários. Tem melhorado. O Twitter mesmo introduziu a política de comentários em que o próprio usuário pode fechar seus comentários ou filtrar, dando a possibilidade de o usuário decidir quem pode comentar nas postagens. Mas, no Instagram, por exemplo, a única possibilidade do usuário é fechar toda a conta até a crise passar”, observou o pesquisador. “O comportamento de ódio é muito dependente da publicização. Ele quer se espetacularizar, mas quer ser público”, acrescentou.

Esses xingamentos em série no ambiente virtual, avalia Malini, são mais um obstáculo para o jogador sair de sua bolha e passar a se posicionar. Até mesmo os que já o fazem retrocedem e mudam o seu comportamento por conta das agressões. Há também os que suspendem ou desativam suas contas por um período.

“De certa maneira, é um movimento que acaba acuando os jogadores. Eles são objeto de um processo de silenciamento das suas pautas críticas. Em um universo tão escasso de politização, acho que um dos principais efeitos dessa manada que corre para comentar e desqualificar o atleta é deixá-lo silenciado”, explicou. “As redes sociais, no lugar de valorizar esse espaço democrático, elas acabam prejudicando esse posicionamento”.

Diante dessa violência, jogadores também vieram a público cobrar uma postura mais enérgica das redes sociais. Um dos mais enfáticos foi Marcus Rashford. O atacante do Manchester United, voz importante no combate ao racismo na Inglaterra e engajado em movimentos sociais – fez campanha a favor da gratuidade das refeições nas escolas britânicas e apoiou o Serviço Nacional de Saúde do país (NHS) durante a pandemia – responsabilizou as plataformas pela ofensas e lamentou a maneira como algumas pessoas escolhem utilizar esses espaços virtuais.

“Sinto que é responsabilidade das próprias redes sociais, Instagram, Twitter, etc. Se eles veem alguém sendo abusado racialmente ou de qualquer outra maneira, suas contas deveriam ser excluídas imediatamente. Esse é um jeito de se livrar da maior parte desses abusos, se não todos”, enfatizou Rashford, que também viu seus colegas de Manchester, Axel Tuanzebe e Anthony Martial, serem alvos de agressões nas redes.

Outros esportistas que passaram pela mesma situação foram Lauren James, da equipe feminina do mesmo clube, o irmão dela, Reece James, do Chelsea, e Romaine Sawyers, do West Bromwich.

DEPLATAFORMIZAÇÃO – Nesse cenário em que o ódio e a intolerância imperam, o que as plataformas digitais podem fazer, efetivamente, para resolver, ou ao menos amenizar o problema? Para o pesquisador Fábio Malini, a deplataformização, ato de vetar o acesso de um usuário a determinada rede social, algo semelhante ao que Twitter e Facebook fizeram com o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, banido dessas mídias digitais.

“O problema é que muitas vezes são atos de usuários deliberados para provocar essa polêmica, criar esse clamor e aquilo repercutir. Muitas vezes o próprio banimento serve quase que um troféu para a pessoa”, pondera. Outro opção, destaca Malini, é o desenvolvimento de processos contínuos de relação com as empresas que administram as contas das principais personalidades que atraem um volume maior de ofensas.

“As redes sociais deveriam assessorar esses profissionais para identificar processos muitas vezes automatizados, robotizados ou de hordas nos perfis desses influenciadores, como Messi e Cristiano Ronaldo”, salientou. “Eles são os hubs, os para-raios das ofensas raciais, xenofóbicas, homofóbicas, etc”.

O QUE DIZEM AS REDES SOCIAIS – Em resposta ao Estadão, a assessoria de imprensa do Instagram, cujo dono é o Facebook, sustenta que não quer “ódio e racismo em nossas plataformas, e conteúdos desse tipo são removidos quando encontrados”. Também reforça que trabalha “junto com todos os órgãos da indústria, a polícia e o governo para ajudar a lutar contra o racismo online e offline” e ressalta que foram anunciadas novas medidas que preveem “ações mais duras para quando tomarmos conhecimento de mensagens que violam nossas regras no Direct”.

A empresa, integrante do grupo de trabalho convocado pela Kick it Out, organização que combate o racismo e outros tipos de discriminação no futebol inglês, garante que, entre julho e setembro do ano passado, agiu contra 6,5 milhões de conteúdos com discursos de ódio, incluindo em mensagens no direct, “95% dos quais encontramos antes que alguém denunciasse”.

Em nota, o Twitter afirma que o “comportamento racista, abuso e assédio não têm absolutamente nenhum lugar em nosso serviço” e insiste que trabalha para garantir que a plataforma “seja um lugar seguro para se expressar e acompanhar a conversa sobre futebol, sem medo de abusos ou intimidação”.

Segundo a rede social, foram removidos mais de 5 mil tuítes dos 11 milhões que foram publicados no Reino Unido sobre futebol desde o início da temporada em 12 de setembro e tinham como alvo conversas que violavam as regras da plataforma.

De acordo com o Twitter, os tuítes violadores representam aproximadamente 0,05% da conversa geral sobre futebol na rede social. “Continuaremos a agir rapidamente contra a minoria que tenta minar a conversa para a maioria”, assegura a plataforma, elencando algumas medidas que adotou para coibir os ataques virtuais.

As principais delas são: “a disponibilização de novas formas de parceiros no futebol nos denunciarem abusos, caso não tenham sido detectados por nossa tecnologia; o apoio a de campanhas que enfrentam o racismo e o preconceito – incluindo a de antirracismo da Premier League para incentivar as pessoas a serem ativas contra o ódio online; a possibilidade de as pessoas de controlar sua experiência no Twitter, além da capacidade de ocultar respostas; lançamento de novas configurações de conversa que permitem que as pessoas no Twitter, especialmente aquelas que sofreram abuso, escolham quem pode responder às conversas que iniciarem”.

No comunicado, o Twitter reforça que vai continuar “a desafiar esse comportamento repulsivo, juntamente com nossos parceiros de futebol e outras empresas de mídia social”, diz que está trabalhando com o governo britânico, afirma que está comprometido com a iniciativa do Kick It Out de combater o ódio online e promete lançar novas atualizações para coibir abusos.

Autor: Ricardo Magatti, especial para a AE
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